quinta-feira, janeiro 13

A natureza ensina e a agricultura deveria aprender

A preocupação com o meio ambiente vem adquirindo suprema importância nestes anos iniciais deste século. Defrontamo-nos com toda uma série de problemas locais e globais que estão danificando a biosfera e a vida humana de uma maneira alarmante, que pode logo ser irreversível caso não se faça algo urgentemente.


A desconexão com a natureza é hoje um dos grandes problemas da humanidade. Cada vez mais os seres humanos inventam formas para excluir os ciclos da natureza dos seus espaços. A tecnologia hight tec tenta a cada dia manipular todos os espaços de forma artificial, novos sistemas de produção norteados pelo uso de insumos vem a cada dia ganhando espaços de operacionalização.

As habitações e os espaços de trabalho e de produção cada vez mais deixam de ter plantas e insetos os mais variados, desde uma borboleta até uma formiga, todos são vistos como pragas e precisam ser aniquilados desses espaços e da convivência com os seres humanos.

Hoje muitas crianças das grandes metrópoles ao se alimentar não sabem se aquele alimento é de origem animal ou vegetal. A desconexão é total e cada vez mais distante, a artificialidade toma conta de todos os espaços.

Cada vez mais os seres humanos inventam formas para excluir os ciclos da natureza dos seus espaços pela artificialidade. As tecnologias com seus equipamentos cada vez mais sofisticados vêm manipulando todos os espaços de forma artificial. A natureza é substituída cada vez mais por produtos manipulados artificialmente, chegando a muitos casos a não se saber qual é a origem do que esta se comprando, comendo, bebendo, vestindo e até usando nos mais variados espaços de vivencia humana. Segundo Rubens Alves no artigo “A horta” ele lembra que mexer com a terra é um momento e espaço para o encontro com a natureza.
A desconexão com a natureza é hoje um dos grandes males da humanidade neste século REIGOTA (2001, p.11), salienta que a educação ambiental deve procurar estabelecer uma nova aliança entre a humanidade e a natureza.

Em seu livro O sítio Abundante, Marsha Hanzi (2003) alerta que: “Resgatar e amar um pedaço da mãe terra é muito mais profundo do que simplesmente criar sistemas para manter vivo o nosso corpo físico: é o resgate profundo da relação do homem com a natureza, de substituir o tempo de relógio – nossa escravidão – por ritmos. Tempo de caju, tempo de manga. O levantar e pôr do sol. A lua minguando e crescendo... e as estações do ano não são levadas em conta quando se pratica a agricultura, como exemplo podemos apresentar o ter água ou não ter, não é considerado mais problema de resolução, é meramente um problema financeiro de ter ou não o recurso.

Como repensar esta forma de ver a natureza? Como repensar a forma de fazer agricultura? Como entender e respeitar os ciclos da natureza? Precisamos não só imitar mais tomar como direcionamento de ação o ”NÃO FAZER NADA”, não na concepção da vagabundagem, da preguiça, mas do deixar que a natureza faça e ensine o como fazer, o como saber esperar o tempo da natureza e não o tempo do homem. Sempre queremos aumentar os espaços e diminuir o tempo, mas a natureza não age desta forma, se vai sempre à contramão da natureza.

O como fazer para que a natureza não perca sua força produtiva é simplesmente renunciando aos conhecimentos humanos utilizados atualmente na agricultura, Fukuoka (1995). Percebe-se que o homem gasta todas as forças da natureza, não sabendo como devolver esta força na sua totalidade e depois cria tecnologias na tentativa de voltar ao que era.

A necessidade imperiosa de entender e imitar os padrões e os ciclos da natureza é fundamental para desenvolver qualquer atividade agropecuária. Mas, nem sempre estes modelos são levados em conta na hora do fazer, este comportamento não faz parte da cultura da maioria dos agricultores e produtores. Observando com mais detalhes a natureza, percebe-se que muitos são os ciclos que nela acontecem de forma permanente, e a proposta é tentar entender com mais detalhes e poder ir adequando os ensinamentos para os nossos agroecossistemas cultivados (roçados).

As estações do ano marcadas pelos solstícios e pelos equinócios nos trazem muitas informações  de importância para a prática da agricultura. Na região nordeste, por exemplo, em particular no sertão os agricultores utilizam praticar a agricultura no período das águas (inverno) e se tiver irrigação continua fazendo esta agricultura no verão, só que agora regada à água de forma artificial, indo de encontro ao período quente e seco. Momento este que podemos até de chamar de dormência ou hibernação da natureza, nesta região. Pois, no sertão uma das características dessas plantas é a perda de todas suas folhas, nos passando diretamente uma informação muito importante “Preciso descansar, o clima deste momento não é propicio para mim”, somente algumas plantas conseguem ter uma vida produtiva neste período.  São plantas que tem suas características projetadas para este estação, desenvolvendo-se normalmente.

Estas plantas estão preparadas para as altas temperaturas desta estação climatológica, além de conseguirem viver com a pouca quantidade de água disponível no solo durante este período. Muitas destas plantas conseguem guardar águ
a para seu consumo nesta estação, como é o caso da barriguda. Figura ao lado. Armazenamento para o período de escassez.

Como se vê acima, o verão e o inverno são muito diferente paisagisticamente e no comportamento da natureza. Uma estação com pouca água e outra com água. São estações muito distintas e precisam ser levadas em conta na hora de se fazer agricultura ou pecuária.


Se a natureza nos mostra que no momento do verão no sertão e no agreste onde esta estação é muito percebida que o processo natural torna-se mais lento buscando repouso, qual o comportamento produtivo que se deve ter? Normalmente muitos agricultores por ter água armazenada em açudes, barreiros ou outra forma, utilizam deste recurso e vão de encontro aos ciclos da natureza, praticando cultivos fora de estação através do uso da água (irrigando). A água passa a ser um bem de produção que no seu uso gasta-se muita energia para todo seu processo de elevação e distribuição.

Vários problemas podem acontecer provocados pela incoerência humana quando se vai de encontro aos processos naturais. A evaporação nesta estação é muito alta, podendo levar os solos que estão sendo irrigada a salinização. Esta é uma das provas que este momento não é propicio para o plantio de determinadas culturas. Neste período o homem quer colocar a natureza na contramão do período, propondo a maneira humana de produzir fora do ciclo natural. Além deste problema percebe-se também que no solo vai se instaurar uma alternância de temperatura de  quente e frio, através do uso da irrigação. E esta alternância não é propicia para os cultivos, contribuindo também para o aparecimento de doenças fungicas e determinadas pragas atraídas pela umidade artificial criada. Como se percebe instaura-se momentos antinaturais e de disputa entre o conhecimento humano e as normalidades naturais.




               
Cada planta tem uma necessidade particular de água, da mesma forma que nós seres humanos temos consumo de água variado dependendo do estado de desenvolvimento físico, intercalado também pela estação climatológica. Estas quantidades precisam ser atendidas para que as plantas possam produzir satisfatoriamente, caso contrário terá plantas com sede permanentemente sem poder diluir e absorver os nutrientes necessários para seu pleno desenvolvimento. Se para atender as exigências dos seres humanos nas regiões semi-áridas já é complicado imagine ainda ter que atender as necessidades de milhares de plantas.


Diante desta necessidade a natureza criou seus mecanismos de normalidade, a perda das folhas neste período de boa parte das plantas é uma estratégia fenomenológica utilizada. Com este fenômeno as plantas diminuem radicalmente o seu consumo de água, aproveitando de forma equilibrada a pouca quantidade de água que esta disponível no solo durante esta estação. A espera por uma nova estação das águas para voltarem a se desenvolver, e o ciclo se repete.

Porque o homem ao perceber esta estratégia fenomenológica não tenta imitar este processo em suas áreas cultivadas? Porque ele insiste em fazer do seu jeito, mesmo que este jeito leve-o a correr riscos permanentes, mesmo que este jeito lhe dê mais trabalho, mais gasto, mais esforços?

Podemos fazer agricultura levando em consideração esta forma natural? Porque não ter duas formas de fazer agricultura levando em consideração o ciclo do inverno (das águas) e o ciclo do verão (seca)? A sugestão é poder operacionalizar uma agricultura de inverno que já se tem muita experiência, e a outra até de certa forma inovadora é fazer uma agricultura de verão selecionando plantas cultivadas que são tolerantes e altamente resistentes a pouca presença de água no solo. Com certeza esta seleção contribuirá para que se tenha uma produção sem ter que ir de encontro aos processos naturais.

As plantas selecionadas devem seguir certos critérios:

·            Ser comestíveis e ou industriais;
·            De safras anuais se possível;
·            Adequadas ao clima da região;
·            Que se desenvolva em pleno sol;
·            De baixo consumo de água;
·            Resistente a seca;
·            Que tolere altas temperaturas;
·           Que seja de sazonalidade de verão.

A concentração destas plantas em um mesmo ambiente cultivado poderá ser uma estratégia fantástica para se fazer uma agricultura adequada aos ciclos naturais. Logo a Zona 03[1] da propriedade deverá ter duas áreas distintas:

1.       Área de cultivo de inverno – Que durante o verão ou Pós-colheita deverá entrar em descanso para se recuperar para o próximo ciclo produtivo.

2.       Área de cultivo de verão – Com plantas que durante este período seja o seu melhor momento de desenvolvimento vegetativo e produtivo. Este será o roçado de verão sem irrigação.

Existem muitas plantas que durante a estação do verão é o seu melhor estágio de desenvolvimento vegetativo como também produtivo. Estas plantas são percebidas na paisagem porque ficam verdes durante o momento em que as demais plantas perdem suas folhas e secam. Permanecem assim durante todo o período do verão além de produzirem seus frutos nesta estação adversa para as demais plantas. É como se estas plantas fossem dádivas ou presentes da natureza para atender as necessidades alimentícias de certas espécies no momento tão oportuno.





A seleção e o consorciamento entre estas culturas podem ajudar muito na melhoria da geração de renda das famílias, além de contribuir para a preservação ambiental, criando micro climas com temperaturas amenas, diminuindo a evaporação. O maior problema do método é descobrir quais as parcerias mais adequadas entre estas plantas de época e os espaçamentos mais adequados quando juntas.

O xerofitismo deve ser uma das principais características das plantas destes roçados de verão. Logo uma boa seleção é uma condição primordial para o sucesso do agroecossistema cultivado.
Várias plantas podem ser selecionadas para este espaço produtivo:


PLANTAS XERÓFILAS NATIVAS PARA A PRODUÇÃO DE MADEIRA


Mulungu: Erythrina velutina
·             Aroeira: Schinus terebinthifolius
·             Baraúna: Schinopsis brasiliensis
·             Craibeira: Tabebuia caraíba
·             Mulungu: Erythrina velutina
·             Sabiá: Mimosa caesalpiniaefolia
·             Pau-d’arco amarelo: Tecoma chrysostricha

PLANTAS XERÓFILAS NATIVAS FORRAGEIRAS

Favela: Cnidoscolus phyllacanthus
     ·         Juazeiro: Ziziphus joazeiro
     ·         Jucá: Caesalpinia férrea
     ·         Macambira: Bromelia laciniosa
     ·         Mororó: Bauhinia spp.
     ·         Pornunça

PLANTAS NATIVAS XERÓFILAS PRODUTORAS DE ÓLEOS E CERAS

Guar: Cyamopsis tetragonoloba
·         Carnaúba: Copernicia cerifera
·         Favela: Cnidoscolus phyllacanthus
·         Marmeleiro preto: Croton sonderianus
·         Oiticica: Licania rígida
·         Pinhão: Jatropha curcas

XERÓFILAS EXÓTICAS FORRAGEIRAS

Cartámo: Carthamus tinctorius
·         Palma forrageira: Opuntia fícus-indica
·         Ramón: Brosimum alicastrum
·         Erva sal: Atriplex mummularia
·         Guar: Cyamopsis tetragonoloba
·         Algarobeira: Prosopis tamarugo
                       Prosopis juliflora
·         Leucena: Leucanena leucocephala

XERÓFITAS EXÓTICAS ALIMENTICIAS E OLEAGINOSAS

Babosa: Aloe Vera
·         Feijão tepari: Phaseolus acutifolius
·         Figo da India: Opuntia sp.
·         Tamareira: Phoenix dactylifera
·         Cártamo: Carthamus tinctorius
·         Oregão do México: Lippia palmeri
·         Calabacilla loca: Curcubita foetidissima

XERÓFITAS EXÓTICAS INDUSTRIAIS
Caroá planta xerófila do sertão

·            Candelilla: Euphorbia antisyphillitica
·            Jojoba: Simmondsia chinensis
·            Babosa: Aloe vera
·            Plantago: Plantago ovata
·           Guayule: Parthenium argentatum
·           Canágria: Rumex hymenosepalus

PLANTA XERÓFILA NATIVA PRODUTORA DE FIBRAS

·         Caroá: Neoglaziovia variegata
Jojoba – Simmondsia chinensis

PLANTA XERÓFILA NATIVA PRODUTORA DE BORRACHA

·         Maniçoba: Manihot glaziovii

PLANTA XERÓFILA NATIVA FRUTIFERA
·         Umbu: Spondias tuberosa


PLANTA XERÓFILA MEDICINAL

·         Pinhão manso: Jatropha curcas L.
Como se percebe existem muitas alternativas para se preparar um roçado de verão adequado aos princípios da natureza. Roçado este que precisa ser implantado durante o inverno, porém depois de instalado todo seu manejo vegetativo e produtivo irá acontecer durante o período do verão nordestino. É uma grande oportunidade para se produzir o que é permitido pelo período, com menos impacto ao meio ambiente. Um roçado de verão quando bem conduzido permite uma ótima produção com menos esforço humano com baixo uso energético e de insumos. É por isto que se diz: “A natureza ensina e agricultura deveria aprender”. Professora melhor do que esta é difícil de encontrar.

O titulo deste texto é para ser provocativo e reflexivo, fazendo com que todos os leitores praticantes de agricultura possam repensar seus sistemas produtivos. Fazer uma agricultura o mais natural possível deve ser a meta para todos os agricultores e profissionais das ciências agrárias. Não podemos esquecer que é a natureza e não ao homem o responsável pelo crescimento das plantas, e que o grande papel do humano seria ser o assistente desta natureza.

Antônio Roberto Mendes Pereira - Técnico, Permacultor e Pedagogo
12 de Janeiro de 2011

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

MENDES, Benedito Vasconcelos- Alternativas tecnológicas para a agropecuária do Semi-Árido. São Paulo: Nobel: (Rio de Janeiro): Rede Globo, Projeto Nordestinos, 1985. (Coleção mossoroense ; 266)
FUKUOKA, Masanubu – Agricultura Natural: Téoria e prática da filosofia verde; tradução de Hiroshi Seó e Ivana Wanderley Maia – São Paulo; Nobel, 1995
HANZI, Marsha. Permacultura. O sítio abundante. Co-criando com a natureza. Lauro de Freitas: Edições Alecrim, Gráfica Santa Helena, 2003.
MOLLISON, Bill e SLAY, Reni Mia. Introdução à Permacultura. Brasilia: MA/ SDR? PNFC, 1998.
REIGOTA, Marcos. Meio Ambiente e Representação Social. São Paulo: Cortez, 4. ª ed. 2001



[1] Divisão da propriedade utilizada pela Permacultura com objetivo de racionalizar os gastos com energia. A Zona 03 é a área de cultivo para o mercado.

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