quinta-feira, dezembro 5

As funções dos elementos nos agroecossistemas - A multifuncionalidade dos elementos vivos, das coisas e das estruturas

Antônio Roberto Mendes Pereira

Quem já estudou os ecossistemas naturais sabe que todos os elementos vivos exercem funções que tornam ou contribuem para a sustentabilidade do ambiente. Porém, nossos olhos não estão muito acostumados nem treinados para identificar estas funções na sua dimensão e profundidade. E quando se pede para identificar outras funções de um mesmo elemento a coisa fica mais difícil ainda. O repertório que conhecemos ainda é muito pouco. Este texto pretende explorar um pouco esta estratégia tão importante na manutenção dos ecossistemas naturais e cultivados.


Os elementos vivos são responsáveis nos ecossistemas por uma infinidade de funções que tornam estes espaços muito mais equilibrados e sustentáveis.


Dois princípios básicos de design na Permacultura trabalham as FUNÇÕES destes elementos. O primeiro trabalha com a seguinte estratégia:

CADA ELEMENTO DEVE EXECUTAR MAIS DE UMA FUNÇÃO

No planejamento e no desenho de sistemas agroalimentares este princípio precisa ser trabalhado intensamente, na busca de permitir que possamos identificar o máximo de função que um elemento possa executar naquele ambiente. Quanto mais funções este elemento executa ou pode executar mais resiliência e resistência terá este ambiente projetado. Somente com a tentativa de entender o todo é que se percebem estas funções ou multifunções que um elemento pode e deve exercer. 

Precisamos ser e estar atento para identificar tais funções. Ao se identificar estas funções poderemos facilmente localizar um lugar mais adequado para este elemento no desenho ou arrumação do agroecossistema. É bom lembrar que algumas destas funções só surgem quando o elemento está em uma determinada localização em relação aos demais elementos. O surgimento de algumas funções está diretamente ligado a aonde vai se plantar ou colocar aquele elemento contribuindo para a sua relação com outro ou com vários outros elementos que estão ou vão compor o agroecossistema que se está montando. 

Afirma-se que um elemento está bem localizado quanto mais conexões ele consegue ter e fazer.

Esta estratégia pode fazer a diferença em um roçado quando comparado com outros espaços produtivos, podendo consolidar o aumento de produção e a sustentabilidade do mesmo. Entender os porquês e onde colocar no consórcio os elementos é muito importante e precisa de uma atenção e planejamento especial no design.

Para entender esta lógica vejamos o seguinte exemplo: uma das funções das leguminosas é a captação do nitrogênio que está no ar através de bactérias nitrificadoras que ela consegue manter parceria.

E quando localizamos esta leguminosa (feijão) no local ideal em relação a um outro elemento, no caso o milho esta leguminosa, consegue manter uma outra parceria, onde o milho libera excreções radiculares para o feijão e em troca o feijão libera nitrogênio que ele capturou do ar através das bactérias e nesta parceria todos ganham, uma funcionalidade trivalente.

E se a parceria for com fava, às funções aumentam, pois além das frisadas anteriormente o milho irá servir de tutor para que a fava possa enramar. Não permitindo que suas vagens entrem em contato com a terra, evitando apodrecimento e aparecimento de doenças fúngicas.


Na pratica ecológica de agroecossistemas a multifuncionalidade dos espaços, dos elementos e dos objetos precisam ser utilizadas como meio de garantir aos ambientes mais equilíbrios e versatilidade produtiva, além da economia de insumos.


Vejamos a multifuncionalidade de um elemento 

CORTINA DE GARRAFA PET


Ela pode ter uma infinidade de funções, bastando apenas está no local correto. Esta localização irá facilitar as conexões entre os demais elementos, energias, ou estruturas.

· Quebra vento
· Quebra sol
· Privacidade, diminuindo a visão
· Estética/embelezamento
· Produção de alimentos, ervas e flores
· Divisão de espaço (borda)
· Atração de insetos para a polinização
· Captura de carbono 
· Produção de biomassa
· Produção de aromas para o ambiente

Como vemos um único elemento dependendo da sua posição pode exercer uma infinidade de funções no sistema.

Não podemos esquecer que na natureza todos os elementos estão bem localizados e nos espaços onde estão sempre às conexões são intensas e integrantes. Quando este elemento está fora de lugar à natureza imediatamente tenta retirá-lo. Um grande exemplo é quando fazemos um plantio fora de época, e em um lugar que não está preparado para receber e desenvolver aquela cultura, imediatamente a natureza utiliza uma forma de controlar, enviando os insetos em forma de pragas para fazer a retirada do mesmo.

Quando localizamos um elemento fora do lugar do seu poder de conexão gastamos mais energia para mantê-lo produtivo. Logo, buscar melhor localizar cada elemento significa fazer economias de energia, de tempo e de mão de obra.

O outro principio de design ligado a função é:

CADA FUNÇÃO IMPORTANTE DEVE SER EXECUTADA POR VÁRIOS ELEMENTOS

Funções importantes como o abastecimento de água, produção de alimentos entre outras, devem ser executadas por vários elementos que compõe o sistema. Esta estratégia é a forma que a natureza utiliza para garantir que não vai faltar, que se por algum motivo um elemento deixa de fazer uma determinada função importante, esta função não vai deixar de ser atendida, pois tem outros elementos exercendo e executando tal função.

Fertilizar a terra é uma tarefa muito importante e necessária para se manter a fertilidade do solo nas propriedades, logo, devem existir vários elementos que possam desempenhar esta função na propriedade. Não dá para relegar apenas um elemento a fazer esta tarefa sozinho, pois se por algum motivo este elemento não pode fazer tal tarefa o sistema poderia parar, ou sofrer uma descontinuidade no processo de manutenção da fertilidade.

Vejamos alguns elementos que podem e devem executar esta função nos sistemas cultivados.





Com o uso deste principio a propriedade ficará muito mais estável às mudanças fenomenológicas e outros acontecimentos inesperados.

Como vemos estes dois princípios da natureza podem ajudar muito no planejamento das atividades que precisam ser executadas nas propriedades. São dois princípios que podem ser utilizados em qualquer espaço, inclusive no planejamento de construção da sua casa. Pense em utilizar espaços com mais de uma função, e que cada função possa ser executada por mais de um elemento ou espaço. Você vai verificar que sua casa com certeza irá ser menor em utilização de espaço mais também será muito mais ecológica do ponto de vista de economia de espaço de energia, de tempo e de materiais. Com essa mesma visão os utensílios, móveis e eletroeletrônicos podem ter este princípio como norteador para sua compra e localização nos cômodos da casa.

05 de dezembro de 2013

sábado, novembro 2

Estratégias para um sertão mais abundante e sustentável

Antônio Roberto Mendes Pereira 

Não é de hoje que se ouve que o sertão é um pedaço de chão maravilhoso, e não é a toa que o nordestino ou sertanejo que fez o êxodo rural, quando se sente fora deste ambiente, fica feito um peixe fora d’água, sente saudades e quer voltar ao seu pedaço de chão, como diz a letra da música “Vaca estrela boi fubá”cantada por Raimundo Wagner e escrita por Patativa do Assaré, 


Como vemos na letra da música as condições naturais ou fenomenológicas terminam por expulsar muitos agricultores desta região. Sabemos que não é fácil viver em condições adversas, e para melhor viver nestas condições é preciso aprender com a natureza do lugar, entender as estratégias utilizadas pela própria natureza que favorece a vida de muitas espécies que se adaptaram nesta região. Logo, poderemos nos perguntar como fazer? O que observar? O que imitar? Para se viver com mais tranqüilidade neste bioma tão delicado? 

Este texto pretende trazer algumas estratégias práticas que poderiam ser utilizadas facilitando a vivência nesta região, interpretada muitas vezes erroneamente. Compreender como a natureza faz, é a chave mestra para a implementação destas estratégias que vão ser apresentadas neste texto. 

Quando a estação seca chega, percebem-se rapidamente quais os elementos vivos que não são daquela região, os que não são nativos e não adequados aquele clima. Estes são os primeiros a sofrer, diminuem o desenvolvimento, murcham nas primeiras horas mais quentes do dia, se for animais procuram as sombras para se abrigarem da radiação solar intensa. Tanto as plantas quanto os animais principalmente os que não são desta região exigem muito mais água, água esta que muitas vezes não existe mais nas quantidades necessárias para saciar a necessidade. Diante disso o que fazer? 


Não é a adversidade que expulsa as pessoas desta região, mas sim a falta de conhecimento e informação sobre a natureza deste lugar. A observação é uma chave de leitura que facilita a criação de formas diferentes para melhor viver neste lugar. 

O fenômeno da seca não vai mudar, pois ele faz parte da natureza deste ambiente, o que se precisa é aprender a viver no semiárido, e aprender com ele. 

APRENDENDO COM A NATUREZA DO SERTÃO 

Estas propostas de estratégias foram surgindo a partir do meu aprofundamento e prática da Permacultura. Ela facilitou a compreensão de vários fenômenos que acontecem neste bioma, favorecendo a exposição destas propostas. 

1. Diminuir as atividades produtivas que dependem do uso de muita água – É imperiosa e necessária esta providência, mesmo que se tenha muita água acumulada. A natureza deste lugar durante a estação seca diminui radicalmente suas atividades biológicas e fisiológicas, tudo diminui. A reprodução é extremamente controlada, as plantas com o passar dos dias da estação vão perdendo suas folhas para diminuir o gasto com água, a respiração das plantas consequetemente diminui, diminuindo a respiração a fotossíntese também diminui. Muitas plantas fecham seus estômatos quando a temperatura ambiente chega aos 25 graus, impedindo que a fotossíntese continue, enquanto não baixar esta temperatura. Muitos animais migram para outras regiões. Enfim a vida acomoda-se ao ambiente, diminuindo suas atividades. Mas, o ser humano o que faz neste período? Quantos diminuem ou mudam suas atividades? Por que muitos agricultores insistem em manter seu rebanho na mesma quantidade? Porque ele não diminui antes que o fenômeno se agrave? Por que muitos até incrementam sua capacidade produtiva aumentando seus plantios? Este comportamento não está indo de encontro à natureza? 

2. Identificar outras atividades econômicas que não sejam as de plantio e criação – Insistir na criação e no plantio aumentando estas atividades durante este período não é aconselhável. Deve-se identificar a possibilidade de outras atividades econômicas para este momento, como exemplo: 

· Artesanato com insumos e temas do lugar; 
· Cultivo de cactos em pequenos vasos; 
· Desidratar frutas; 
· Incremente sua cozinha para o beneficiamento de frutas como doces, polpas, compotas entre outras; 
· Biojóias com sementes e ossos encontrados na caatinga; 
· Iniciar o descarte dos animais através da venda vivo ou abatido, assim que a estação do verão iniciar; 
· Produção de brotos de sementes; 
· Preparo e venda de cascas, folhas de plantas medicinais desidratados; 
· Bordados, renascença, tricô. 



As atividades escolhidas devem ser aquelas que se permaneça o mínimo exposto ao sol. Escolha atividades de sombra que exigem habilidades manuais de fácil manipulação onde toda a família possa contribuir. 

3. Se tiver água acumulada concentre em atividades produtivas para a subsistência da família. Aumentando a renda familiar sem ter que comprar alimentos. Concentre as atividades no entorno da casa, este espaço facilita o reuso de água, diminui-se o gasto com energia de deslocamento para atividades distante de casa. Mantenha um pequeno pomar neste espaço, com o reuso das águas cinza depois de tratada por um filtro biológico. A prática da horticultura familiar pode ser consorciada com algumas fruteiras utilizando parte do sombreamento, diminuindo a exposição direta e permanente destas a radiação solar intensa. Ou de outra forma cultive estas hortaliças em pneus diminuindo o gasto com água, além de facilitar a fertilização, e o manejo de outras práticas. Selecione plantas que consomem pouca água e que se mantém produzindo durante esta estação. 


4. Manter a bioestrutura do solo das áreas que irão permanecer produzindo – A mantença da bioestrutura do solo é de fundamental importância. E sem matéria orgânica não se consegue manter, logo é necessário que a cada três meses possamos devolver matéria orgânica para o solo. O solo fofo, grumoso vai permitir que as plantas passem o maior tempo possível fazendo fotossíntese, além de evitar a evaporação, mantendo o solo por muito mais tempo úmido. Folhas, pedaços de madeira, papel, papelão são matérias que servem de cobertura morta, além de que com o passar do tempo todo este material vai servir de matéria para melhorar a estrutura e a fertilidade do solo. Utilize materiais ricos em carbono (C/N), pois a decomposição irá ser lenta, liberando minerais para as plantas lentamente, e ao mesmo tempo passando uma maior quantidade de dias protegendo o solo da radiação direta. 

5. Utilize sistema de irrigação adequado ao período e ao cultivo – A escolha do sistema de irrigação faz muita diferença na economia de água e no manejo da cultura. Para o ecossistema sertanejo sempre dê preferência por sistemas de irrigação que utilizem água em pouca quantidade como os de gotejamento, micro aspersão, pois além de se economizar água diminui-se a probabilidade de salinização das áreas cultivadas. Pois com a temperatura solar elevada evaporasse a água e permanecem os sais, contribuindo para a salinização dos solos. 


6. Inicie o planejamento para a próxima estação produtiva – Aproveite o momento para pensar como será a próxima estação das águas, o que vai fazer? O que vai se plantar? Onde vai plantar? Quanto vai plantar? Que técnicas irão utilizar para ter segurança que vai ter uma produção adequada e desejada? Todas estas medidas precisam ser planejadas anteriormente a estação, para que se tenha tempo para se preparar para a execução deste planejamento. 


7. Iniciar utilização da ração armazenada – Tem um princípio na Permacultura que diz que dispomos de um tempo limitado para captar energia e armazenar antes que a abundância sazonal ou episódica se dissipe, ou melhor, passe. Ele nos lembra que a natureza tem seu período de oferta de fartura e que devemos armazenar ao máximo nesta fase, para o uso posterior, nos momentos de escassez. Logo, devemos armazenar feno, fazer silagem, armazenar alimento para nossa família, armazenar água, produzir adubo como compostagem, aumentar a capacidade de produzir cobertura morta para as áreas que irão permanecer produzindo no verão. Todas estas formas vão minimizar a escassez. Planeje atividades previstas para as fases de abundância do verde, de frutas, de frutos e de pastagem, isto vai aumentar a segurança alimentar, hídrica, energética e de nutrientes. 

8. Diminua área de lâmina de água exposta ao sol por m², esconda a água - A evaporação na região semiárida é intensa, e quanto mais lâmina de água exposta em m² mais a evaporação é intensa. A estratégia é fazer lagos, tanques, barreiros ou até barragens subterrâneas ou qualquer outra forma de armazenamento de água mais profundo que largo que tenha o mínimo de exposição solar, para diminuir esta evaporação. Alguns exemplos podem ser citados: 






9. Aumentar o ciclo de reuso de águas servidas – Tarefas como cozinhar, lavar louça e roupa, higienizar-se gasta muita água que na maioria das vezes depois de utilizadas são descartadas. Estas águas poderiam ser voltar a fazer parte do ciclo produtivo da propriedade, principalmente da zona 01 (entorno da casa, quintal produtivo). Porém, estas águas conhecidas como águas cinza precisam passar por um tratamento biológico e físico para voltar a fazer parte de novos processos produtivos. Normalmente uma pessoa gasta por dia 200 litros de água para as suas necessidades, água esta que precisa voltar a ser reutilizadas várias vezes, antes ser perdida ou evaporada, voltando a fazer parte do ciclo da água. 


10. Identificar a melhor época para edificar – Com certeza não é na estação das águas. Durante a construção necessita-se do sol, para a secagem rápida dos adobes, do super adobe, ou qualquer outra técnica utilizada. O verão com certeza é o melhor momento para aumentar a infraestrutura da propriedade caso se precise. Planeje-se para o momento, veja sua demanda, local e tamanho. 


11. Preparar infraestrutura para armazenamento de água superficial – A quantidade de água armazenada pode fazer a diferença produtiva em qualquer propriedade, quanto mais água poder ser captada e armazenada melhor. Muitas tecnologias existem para aumentar e facilitar o armazenamento de água superficial de escorrimento, e de fácil construção além da pouca necessidade de recursos financeiros. Uma boa estratégia para marcar os locais onde deverão ser construídos estes reservatórios é em um dia durante a chuva, sair andando na propriedade observando o caminho das águas, por escorre, volume, onde se unem estes filetes de água de escorrimento, marcando os locais para depois efetuar a construção. Sempre pense em acumular a máxima quantidade de água nas partes mais altas da propriedade para facilitar o uso da mesma sem necessitar do uso de energia e bombas. Pequenas barragens são mais eficientes que as grandes, além de serem mais fáceis de construir. 




12. Armazene sua água de beber – Não basta armazenar água apenas para o solo e plantas, precisamos armazenar também para os animais e para toda a família. Não perca a captação de nenhum telhado, ou biqueira. Utilize ao máximo utensílio que possam guardar água, desde uma bolsa plástica até cisternas, latas, tambores, garrafas pet. Quanto mais potencial de água armazenada melhor, mesmo que estas águas percam parte da sua qualidade para o consumo, elas podem ser utilizadas para outras necessidades, que não exijam tanta qualidade. Laguinhos podem ajudar a manter a temperatura mais amena próximo de casa, além de servir para irrigar algumas plantas que necessitem. 






13. Práticas de agricultura protegida do sol – Um bom percentual de sombreamento para as plantas é de 30%. Precisamos manter a temperatura do ambiente durante esta estação pelo menos para as plantas cultivadas em torno de 25° temperatura ideal para uma ótima respiração das plantas, impedindo que a fotossíntese pare de acontecer. As técnicas de agricultura protegida diminuem também a radiação direta nas plantas, além de manter o ambiente mais úmido, pois diminui a evaporação e melhora as condições totais de desenvolvimento das plantas. Com o uso desta técnica aumenta-se o potencial produtivo da água que se tem para a irrigação. Outra grande vantagem caso também se feche as laterais da área é a proteção contra alguns insetos. 

Esta tecnologia também pode ser utilizada para os animais com a mesma intenção proteger da radiação solar intensa, aumentando o conforto térmico dos animais que estão sendo criados. 


14. Diminuir o gasto com energia para não aquecer os espaços, evitando uma transpiração intensa e o aumento do consumo de água – A observação das correntes de ar frio ou quente, e após descobrir sua localização, entender e decidir qual a direção que vem, e poder ou aproveitar ou descartar sua ação ou entrada no ambiente. Observe e decida o que pode entrar ou que não deve, crie circulação de ar expulsando o ar quente e facilitando a entrada do ar frio. Construa sua habitação ou até novos espaços onde as paredes respirem, isso se consegue através da aplicação de técnicas de bioconstrução, utilizando a terra crua como a base da matéria prima de construção. Outro detalhe que faz a diferença de temperatura nas casas é o tamanho dos espaços relacionados com a quantidade de pessoas que vão viver e conviver neste espaço, logo existe uma relação direta entre estes dois elementos que irão compor este espaço físico. Existem algumas analogias que podem facilitar a compreensão desta estratégia: 

· A casa como a terceira pele – as edificações são nossa terceira pele. Para sobreviver, necessitamos nos proteger do clima usando estas três peles. A primeira é a pele natural do nosso corpo, a segunda são as roupas que usamos e a terceira são as nossas edificações. Em alguns climas, é somente com essas três peles que conseguiremos encontrar abrigo suficiente para sobreviver. Quanto mais extremo for o clima, mais necessitaremos contar com as edificações para nos proteger. 

· O trocador de calor – quanto maior o volume de uma edificação, mais de superfície ela terá para perder ou ganhar calor. Para que possa reter calor ou frio, a casa deve ser projetada com uma forma compacta, para que sua capacidade de trocas térmicas seja reduzida. 

· O abafador de chá – casas bem isoladas são como abafadores de chá e para o clima do sertão deve ser evitado este tipo de acontecimento. O quão rápido o chá se esfria depende do tamanho da xícara, da espessura do abafador de chá e de quanto o ar fora dele está mais frio. A eficiência do isolamento ou da saída de calor vai depender de uma série de variáveis, que precisam ser observadas. 

· A estufa de plantas – imagine você vivendo em uma estufa no sertão. O uso de muito vidro concorre para a entrada de radiação e diminui a saída do calor. Uma vez dentro da atmosfera da estufa, é difícil para a radiação passar de volta, e é por isso que não faz sentido algum usar cortinas ou persianas internas, já que, o calor não consegue sair do cômodo. 

15. Evitar a saída de recurso para a compra – Tente produzir e armazenar as demandas da família, você já sabe que nesta estação tudo fica mais difícil de produzir. A autorregulação é um principio da Permacultura que nos alerta para esta preocupação antecipada, não permite desvio. Os agroecossistemas devem garantir a sobrevivência e a saúde de suas espécies constituintes ao manterem um ambiente que é, acima de tudo, benéfico e provedor. Acumule energia nas suas mais diferentes formas. 

· Ilumine a casa durante o dia com energia solar através de garrafas pet; 
· Cozinhe utilizando a energia solar ao invés de utilizar outra fonte; 
· Aqueça água através de sistemas solares; 
· Construa um biodigestor adequado ao tamanho da sua família; 
· Faça seu adubo utilizando o lixo de casa; 
· Monte sua horta familiar e sua farmácia para evitar comprar; 
· Armazene seus grãos necessários para a alimentação familiar; 
· Desidrate, defume para que os alimentos durem mais tempo armazenados. 




Enfim seja um PROSSUIMIDOR, que é aquele que produz e consome, ao invés de só consumir comprando. 

16. Armazene matéria orgânica para a transição das estações do ano – O acúmulo de matéria orgânica armazenada quer seja no solo, ou em qualquer outro espaço se faz necessário e imprescindível. Ela vai ser a base primordial para manter parte da fertilidade dos solos que estão sendo e vão ser utilizados. Estoque de biomassa é bem vinda, guarde mato, ou faça reservas destas através de plantas vivas que possam ser utilizadas mais adiante para fazer adubos, coberturas, lenha entre outras. Não utilize e não permita o uso da queimada na propriedade. 

17. Diminua a intervenção humana nesta época – Saia menos de casa, ande menos, quanto menos energia gastarmos neste período melhor para a economia familiar. Se entoque, hiberne nos momentos mais quentes do dia. 

18. Diminua a ingestão de alimentos neste período – Seu organismo não irá precisar da mesma quantidade de energia como da estação das águas, pois suas atividades devem ser menores neste período. Alimente-se com produtos de fácil digestão, que precisem cozinhar pouco. Este procedimento lhe trará um bom conforto digestivo e de relaxamento. 

19. Mudar o horário de trabalho de campo – O trabalho de campo com exposição aos raios do sol nas horas mais quentes do dia é muito estafante, além de correr riscos com desidratação. Acorde mais cedo, inicie suas tarefas nas horas mais frescas e frias, e nas horas mais quente volte para casa para a execução de trabalho de sombra. Com certeza a energia aplicada desta forma vai garantir muita energia recuperada, sem correr riscos de insolação e desidratação. O trabalho em um conforto térmico adequado rende muito mais. Até os animais se protegem nas horas mais quentes, buscam as sombras de árvores, paredes entre outros. 

20. Utilize a lógica do consórcio entre culturas ou policulturas – Esta técnica diminui mão de obra além de economizar água e espaço. Os antigos no Sertão praticavam policulturas complexas e elegantes que integravam elementos de ciclo curto (feijão), de ciclo médio (milho) e de ciclo longo (mamona), com arbóreas (algodão mocó) e rasteiras (abóbora, batata-doce, feijão de corda, melancia, maxixe). Isto dentro de clareiras da caatinga, protegendo assim os campos do vento, conservando ao mesmo tempo o ecossistema nativo para caça e coleta de frutas e medicinais. 

O Instituto de Permacultura da Bahia coordena o Projeto Policultura no Semi-Árido nas regiões de Irecê e Jacobina (Bahia). Neste projeto, integramos culturas de ciclo extremamente curto (rabanete e rúcula), curto (feijão, feijão de porco, gergelim), médio (milho, girassol), longo (andu, mamona) e árvores, tanto adubadeiras e forrageiras quanto de madeiras nobres e frutíferas. Depois de três anos do sistema implantado, o agricultor tem a opção de podar todas as árvores para retomar as culturas de ciclo curto. Desta vez em um campo muito mais fértil e úmido, ou de deixar uma agrofloresta instalada, ocupando assim gradativamente a sua propriedade com o sistema florestal (de frutas, madeiras e forragem), muito resistente à seca. 

Estas policulturas têm surpreendido os moradores da região pelo aumento de produtividade que proporciona à cultura, desde o primeiro ano. Veja um exemplo: 

Mamona: 550 Kg/ha (produção média da região de mamona)
Mamona no policultivo 660 Kg/ha (Aprox. 20% a mais do que no plantio tradicional que é consorciado só com feijão)
Possuindo ainda a produção de: 


Milho: 60 Kg
Feijão: 180 Kg
Palma: 833 pés (hoje se planta 1 palma por metro quadrado=10,000 pés/há)
Girassol: 40 kg
Gliricídia: alguns pés (árvore que serve para adubo e forragem)
Feijão de porco: 35 kg
Gergelim :60 kg
Guandu: 12 kg
Abóbora :100 unidades ou mais
Melancia: 150 unidades ou mais
(Povoado de Alagoinhas, Município de São Gabriel, região de Irecê, dados de 2001) 

Como cada região é única, a policultura pode ter infinitas variações, mas sempre representa um aumento de umidade, fertilidade e produtividade. 

21. Quebra vento contra o ressecamento – existe um mito de que o sertão chove pouco, isto não é verdade. No sertão chove o suficiente o problema é a perda de água de chuva e não a falta de chuva. Pesquisas em regiões semi-áridas, confirmadas pela Embrapa de Petrolina, mostram que a tendência é de perda de 80% da água pela ação do vento, do sol e da enxurrada. Na época das chuvas, os rios do Sertão transbordam. Onde há enchente, terá seca, porque aquela água foi embora. Logo o vento é também um vilão da perda das águas das chuvas causando ressecamento dos solos, além de aumentar a respiração das plantas contribuindo para a diminuição da fotossíntese. 

Marsha hanzi nos alerta para o seguinte: Poucas pessoas se dão conta de que, se chover 500 mm, o vento seco poderá levar 1500 mm - três vezes mais do que choveu! Um quebra-vento, portanto, pode ser a estratégia mais importante para resgatar a agricultura no Sertão. Este quebra-vento pode ser feito de qualquer vegetação que resista à força do vento. O agricultor, entretanto, pode escolher faixas de multiuso que, além de proteger os campos de cultivo do vento, produzem materiais como a forragem e a madeira. Até algumas frutas nativas podem servir para essa função: o caju-anão (por causa do seu baixo porte), a quixabeira e o juazeiro são ótimos quebra-ventos. Além de fornecer alimentos para a fauna, a abundante queda de folhas serve como adubo para a terra. De forma geral, essas cercas devem ter uma forma arredondada (encaminhando o vento suavemente por cima delas) permitindo a penetração de uma parte do vento (idealmente 40%) para que não crie turbulência. O efeito dessas cercas é percebido até uma distância de 10 vezes a altura do quebra-vento (uma faixa de 3 metros de altura protege uma faixa de plantio de 30 metros). Essa estratégia representa um aumento real de produção, tanto das culturas anuais, quanto dos produtos das próprias faixas. 

Quando se utiliza estratégias de quebra-ventos estamos projetando espaços com a intenção de modificar o clima, evitar problemas de erosão e aumentar o volume de água nesta área. 

Dependendo do terreno os tipos de quebra-ventos podem mudar para se adequar da melhor forma possível. Para a instalação desta tecnologia precisam-se conhecer mais detalhes sobre os ventos da sua região, como por exemplo: de que lado vem? Sua intensidade e freqüência? São ventos frios ou quentes? Quanto tempo dura e em quais estações do ano acontecem? Sem estas informações poderemos errar na escolha, na distância entre um quebra-vento e outro. Os ventos têm uma capacidade de ressecar os solos com muita facilidade e intensidade, levando consigo parte da umidade, alertado por Marsha Hanzi anteriormente. Agora imagine, no semiárido onde os ventos são fortes e quentes, o que acontece com a pouca umidade que tem? 


Temos que ter cuidado com a escolha das espécies de plantas que servem para quebra-ventos, pois nem todas as plantas se adéquam, além do mais para o semiárido esta escolha precisa levar em consideração a baixa umidade dos solos, logo, estas espécies escolhidas têm que ser plantas de baixo consumo de água e resistentes a altas temperaturas e de preferência de crescimento rápido. Espécies fortes e com sistemas radiculares profundos, planta bem encorpada, isto é, com grande quantidade de galhos fortes, carnudos e muitas folhas e com boa queda de folhas nas estações contrárias a época de cultivo. E se possível plantas fixadoras de nitrogênio. 

Os quebra-ventos também podem servir para direcionar ou canalizar os ventos para determinados espaços que queira, como por exemplo, para ventilar ou arejar algum compartimento da casa, evitando o uso de ventiladores ou outros equipamentos. Da mesma forma os quebra-ventos podem servir para fazer o contrário, evitar ventos fortes e quentes em determinados locais ou compartimento da casa. 

22. Crie condições para sempre plantar árvores – Marsha Hanzi também nos alerta que em qualquer canto da propriedade que não esteja sendo utilizado para culturas anuais pode ser plantado com árvores - a aposentadoria mais segura do agricultor. Hoje uma boa árvore de madeira (para mourão, etc.) vale mais de cem reais. Se plantadas de forma adequada, praticamente não exigem mais cuidados, podendo crescer à vontade. Além de representar uma renda futura, estas árvores aumentam a umidade da propriedade, atraem pássaros, cortam o vento e fornecem produtos tais como frutas e forragem para os animais na seca. E transformam a paisagem num espetáculo de beleza. 

23. Faça pasto de árvores para complementar a ração dos animais – Manter os animais que ficaram durante este período exige muita criatividade e planejamento anterior, se não quisermos comprar ração. A escassez de chuvas neste período agrava a situação de cultivos de gramíneas, uma alternativa que pode diminuir este problema é o plantio de árvores forrageiras resistente a seca. E que justamente nesta estação seca ela esteja em plena estação produtiva como é o caso da algaroba, Leucena, feijão bravo, etc. 



24. Melhor criando os animais - Para quem só analisa o valor imediato de uma transação comercial, vender um boi com quatro anos a cerca de 1mil reais pode parecer um bom negócio. Mas antes de avaliar, é necessário fazer o cálculo certo: Diluídos em quatro anos de investimento, o boi em questão, geraria um lucro de 250 reais por ano. Se dividir esse valor por 2 hectares (no sertão, provavelmente precisa de mais espaço ainda...), o criador irá apurar 125 reais por hectare (ou R$ 55 por tarefa), dividido por doze meses = menos de R$ 12,50 por mês de renda por hectare! 

Ao mesmo tempo o animal da maneira como é criado no sertão devasta a terra, a deixa exposta ao vento e ao sol ao longo dos meses mais quentes do ano. Como resultado, a terra produzirá pouco no ano seguinte, e terá capacidade perto de zero para retenção da água. 

A solução para a criação volta a ser em faixas de vegetação, que podem ser de forrageiras, e elementos da própria policultura (como guandu). Se o animal transita rapidamente em cada faixa, terá uma abundância de alimentos à disposição e não chegará a destruir a cobertura vegetal. (Neste caso é interessante colocar as faixas de cultura a cada 10 metros.) Com esse procedimento, menos animais com crescimento mais rápido pode representar um lucro maior sem o comprometimento do solo. Acoplado a essas faixas, seria necessário uma área de descanso, com árvores, água e sal mineral, onde o animal pudesse se abrigar do calor. Nas horas mais quentes, o animal exposto gasta muita energia ao tentar resfriar seu corpo parando de pastar. Economizando energia, o ganho de peso é maior. E o agricultor terá a oportunidade de aproveitar o esterco que acumulará nessa área para os seus cultivos do ano seguinte. Essa alternativa de manejo representa um respeito maior com o animal, com suas necessidades e conforto. Uma ética, enfim, que deve fazer parte de toda filosofia do campo. 

25. Garantindo frutas – No semiarido tem muitas frutas nativas resistentes e adequadas ao fenômeno da seca. Uma boa escolha é montar um pomar com estas plantas que tenham estas características. Elas vão aumentar a possibilidade de se ter colheita. Plantas exóticas é um risco a não ser que se tenha muita água ou um micro clima atuante ou montado na propriedade. 


26. O animal ideal para ser criado - A mesma lógica também se aplica a criação dos animais sempre escolher animais de baixo consumo de água e resistente ao meio natural que se tem. Animais de pequeno e médio porte se adéquam melhor aos anos de pouca fartura natural. Biologicamente falando quanto mais os animais são rústicos e resistentes, menor é sua produção. Quando se melhora os índices de produção perde-se parte da resistência e vice e versa. Logo encontrar o equilíbrio entre estas duas vertentes não é fácil mais com certeza quem deve dizer ou nortear esta escolha não deve ser o homem e sim o meio onde se vai criar este animal. 

Normalmente em período de crise onde os agricultores necessitam se desfazer de parte do seu rebanho, ele culturalmente opta por se desfazer dos de produção menor, ficando com os mais produtivos, porém de menor resistência. E neste momento o que está se querendo são animais mais resistentes para passar pelo período crítico. E no final se a opção foi feita por ficar com os mais produtivos talvez nem se tenha produção, pois falta alimento para garantir esta produção e corre o risco destes animais não resistirem ao período. Para diminuir os prejuízos o produtor tem saber qual o momento certo para vender seus animais, principalmente por conhecer o fenômeno da seca e seu período de maior atuação. 

02 de novembro de 2013

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