segunda-feira, janeiro 24

Eco economia local

ALGUMAS PRÁTICAS ALTERNATIVAS DE ECONOMIA PARA AS PEQUENAS PROPRIEDADES FAMILIARES

 A necessidade de se criar economias alternativas de enfrentamento ao modelo econômico que está imposto é imperiosa nas propriedades que estão em processo de transição para a Permacultura. O modelo que hoje é dominante impõe um alto consumo permanente. O comprar é a base deste modelo, e as estruturas e os incentivos econômicos fazem que, em geral, seja pouco rentável produzir em pequena escala para atender as necessidades da pequena propriedade ou até da comunidade, usando matérias primas locais, incentivando a importação de produtos de outras localidades.

O hábito alimentar adquiridos via cultura estão cada vez mais sendo esquecidos em prol de cardápios mais globalizados. E eram justamente estes hábitos, essa cultura que determinava o que deveria se plantar, em função da própria cultura, da nutrição, dos costumes herdados dos ancestrais e da rigorosa observação das manchas de solo, das partes da propriedade onde era mais fértil, das baixadas, dos cultivos nas encostas etc. Cada parte dessa identificada se correlacionava diretamente com um tipo de cultivo e o cultivo se relacionava com a época do ano e o ano presente era o momento ideal para se pensar o ano vindouro. A perda desse conjunto de hábitos e costumes leva cada vez mais as famílias a gastarem mais, pois grande parte da sua alimentação não é produzida pela mesma e sim comprada para atender ao incentivo e o marketing da mídia moderna.

Nesse sentido ao que parece, o conceito de economia restringe-se no nosso entendimento ao ato de simplesmente de comprar e vender caracterizando uma relação de monetarismo puro, descartada as possibilidades de auto sustentabilidade da propriedade no sentido do suprimento alimentar da família nela residente e sua independência a cerca de elementos externos. As características culturais e geográficas locais e determinantes são negligenciadas, fazendo com que estes alimentos viajem grandes distancias tornando-o cada vez mais caros e de difícil acesso. Este fato por demais não só tem afetado o estado econômico familiar, mas de toda a comunidade, de uma região e às vezes até de um município ou de um território. Como exemplo não raro de detecção, comunidades inteiras que antes no seu conjunto produziam dezenas de produtos para atender as suas necessidades e os excedentes para o abastecimento da vizinhança, suprimem-se de suas praticas já experimentadas, sedimentadas pela tradição e pelo conhecimento adquirido empiricamente ao longo das décadas e partem para o novo, para o desconhecido para a produção em escala, onde somente um produto é excedente e quando o cultivo não considera os aspectos da geografia local, promove o desequilíbrio ambiental, e o esfacelamento da MESA antes diversificada e ao alcance da mão familiar.

Os novos hábitos são transmitidos para os filhos criando uma nova cultura em detrimento do esquecimento, do não saber mais, do não plantar, do não comer, do não saber como preparar, além da perda das sementes pela não renovação do plantio levando às mesmas a perda do poder germinativo. As famílias entram em um sistema onde para poder comer tem que comprar e não do ter que plantar. O plantar que antes era programado para primeiro se comer, agora é para vender para só depois poder comprar os demais itens do hábito alimentar imposto pelo sistema e divulgado pela mídia. As propriedades anteriormente eram verdadeiros supermercados, as suas gôndolas eram as áreas que produziam e tinham de tudo, a diversificação era intensa e permanente, o não comprar era tido como orgulho para as famílias. Como diz Ellen F. Woortmann (1997) em seu livro o Trabalho da terra “o Sítio é o lugar do trabalho por excelência. Mas ele é igualmente o resultado do trabalho, pois é um espaço construído; melhor dizendo, um conjunto de espaços articulados entre si, que lhe permite organizar-se como um sistema de insumos e produtos, onde tudo é pensado para não se ter que comprar nada”.
O novo jeito na pessoa do filho degenera o aprendizado acumulado das praticas simples anteriores, muitas vezes rudimentares, mas tecnicamente eficientes, a exemplo o conhecimento acumulado no sentido do suprimento e garantia alimentar da família quando era de costume, no local onde era realizada a queimada a coivara, lá se plantava a melancia, onde se extinguia o formigueiro, lá se plantava jerimum (abóbora), em arvoredos mortos, mas ainda em pé no meio do roçado se plantava fava, no final do terreiro na Paraíba e no Rio Grande do Norte chamado de munturo se plantavam o gergelim e o milho para o consumo familiar ainda verde.

Os princípios de sustentabilidade nestes exemplos não estão dissociados dos elementos técnicos que deveriam ter sidos estudados, já que os mesmos eram marcos de uma economia sutil, manejada no seio familiar, de propriedade exclusiva com características de um clã. Cultura esta que era vivenciada no conjunto de uma população local, carregada de desejos de bem estar, onde o sentido da produção era fazer total ou quase total soberania dos marcos divisórios da propriedade. O imperativo econômico não era as cédulas nem a quantidade de determinado produto, mas o conjunto dos produtos representando a quantidade em espécies, e o conjunto de espécies apontando as possibilidades de se fazer conexões como exemplo o coco mais o mamão mais a raspadura igual a cocada, cocada mais queijo, queijo que vem da coalhada, coalhada que vem do leite, que já foi desnatado que gerou manteiga etc.

A diversidade de alimentos na propriedade era a base da segurança alimentar e econômica de muitas famílias. A ida a cidade nos dias de feira na sua maioria era para vender o excedente e complementar o que faltava comprando somente alguns itens. Mas hoje toda esta lógica é outra foi mudada, a diversidade foi trocada pela facilidade da monocultura e a venda deste único produto é a base econômica para a compra de todos os outros que compõe o cardápio alimentar da família.
Diante de todo este processo a família só come determinados produtos se tiver dinheiro para comprar, se conseguir vender seu único produto poderá comprar os demais alimentos que compõe seu cardápio. Mas mesmo assim ainda esta dependente de outras variáveis para poder realizar a complementação da sua cesta básica alimentar, são elas:

·         Obtive lucro com a venda?
·         A margem de lucro obtida permite eu comprar o que?
·         O que vou fazer se não vender para comprar?
·         Só vou receber depois, como fazer para comprar hoje?
·         Será que para semana vou ter produto para vender?

Como se pode perceber a perda da segurança alimentar e econômica é visível, a dependência aumentou e a família perdeu parte de sua autonomia de compra, de venda e de plantio, pois vai plantar o que se vende, correndo risco ainda do mercado não querer seu produto ou não pagar um preço justo pelo mesmo.
O desgaste da terra é outra questão que precisa ser repensada, pois em uma propriedade que utiliza a diversificação de culturas e animais como base de seu sistema produtivo esta perda é bem menor quando comparada a uma que pratica a monocultura produtiva.

Além de toda esta dependência econômica para comprar se agrega também outros requisitos que fazem parte de todo o pacote tecnológico. Para produzir esta monocultura é necessário que a mesma demande vários outros insumos como, por exemplo: adubos químicos, agrotóxicos, maquinário adequado e apropriado, além de outros insumos. E mais uma vez a necessidade imposta para comprar vem a tona, demandando todos estes insumos, numa situação sine qua non, que se não usar isto não se vai produzir aquilo. E o uso destes insumos normalmente leva os recursos naturais a um esgotamento, além da poluição dos mesmos. E mais uma vez a forma ancestral de produzir tentando utilizar todos os recursos internos como, por exemplo, esterco, a mistura de plantas entre outros estão sendo trocados por todos estes insumos modernos que empobrecem a terra e a família. E o sistema do ter dinheiro para poder comprar leva as famílias a endividamentos em lojas de produtos agropecuários, bancos e até em agiotas. Sem esquecer que todo este incremento no consumo tem provocado o consumo do capital natural da terra, em vez de consumir somente o interesse anual de auto-regeneração.

Como fica a economia de uma família onde toda a base de sua sobrevivência depende do COMPRAR, do ter DINHEIRO, onde sem ele você não leva e se leva se endivida. Como mudar esta situação? Que estratégias podem-se criar para contornar esta situação? Que formas alternativas podem ser operacionalizadas?

Até mudar estas estruturas e incentivos, nosso comportamento necessita estar solidamente informado por uma série de opções baseadas em valores:

·         Quanto é suficiente?
·         Qual a relação entre os níveis de consumo material e bem estar humano?
·         Nossa riqueza depende da pobreza do outro?
·         Depende nossa riqueza da degradação e poluição do meio ambiente?
·         Em que casos elegeriam consumir menos ou pagar mais do que o estritamente necessário?

Não podemos esquecer que a economia de qualquer propriedade rural esta intrinsecamente ligada aos limites de seus recursos naturais. Eles é que dão a dimensão e a quantidade que se pode tirar da terra.  Precisa-se também estar alerta para não exceder estes limites, pois entre o limite e o excesso pode-se contribuir para a degradação e até a poluição deste espaço. Entender e estar em busca desses limites toleráveis é o segredo para se ter uma propriedade mais sustentável.

Conhecendo-se os limites podemos com toda certeza procurar equilibrar o atendimento da demanda. Conhecer estes limites é um dado importantíssimo para o planejamento econômico, ambiental entre outros. Uma das formas divulgadas por nós para diminuir a demanda do trazer insumos e produtos de fora é repensar a dieta familiar, adequando a mesma, a capacidade de produção do ecossistema cultivado. Fazer complemento na dieta é uma coisa, mas comprar tudo ou quase tudo é outra lógica. E percebemos que muitas propriedades estão tomando este rumo. Produz um para poder o comprar o restante.

O não comprar é uma forma de geração de renda, só que a partir de outra lógica. Muitos projetos e programas trazem na sua intenção de meta, a geração de renda para as pequenas propriedades oriundas da agricultura familiar. E toda a energia de planejamento fica centrada em pensar o que plantar para vender. Nossa proposta econômica é produzir para que não tenha que comprar, e ao nosso vê, esta é uma forma bastante interessante e produtiva de gerar renda não na venda e sim na não compra. O que se quer ressaltar é que, ao contrário da agricultura moderna “racional”, capitalizada e voltada exclusivamente para o mercado, os sitiantes adéquam as plantas (aquilo que irão depois comer) ao solo, e não, como na agricultura “moderna”, o solo às plantas, isto é, ao mercado. O saber e a pratica dos sitiantes não impunha ao solo as exigências do mercado. Estabeleciam, pelo contrario, uma negociação entre as necessidades da família e as potencialidades da terra. Havia como um dialogo entre o que a família precisa e o que a terra pode oferecer.

O produzir para o mercado mexe até na forma de usar a terra, as áreas para se produzir para o mercado são maiores, exigem mais hectares sendo utilizados para compensar economicamente o uso dos insumos. E a área de mata e de capoeira grossa que eram deixadas para a reprodução familiar e para o descanso da terra na busca de uma nova fertilidade natural,  com este novo sistema deixa de existir. Não se pode esquecer que para os sitiantes é motivo de orgulho o fato de poder deixar a terra “descansar” É a garantia do reinicio de um novo ciclo na geração seguinte de sua família. E com a gradativa redução desta área dos sítios, o mato e a capoeira torna-se um recurso crescentemente escasso.

Os espaços necessários para produzir para vender para depois comprar, e o plantar para comer sem ter que comprar é incomparavelmente diferente. O primeiro exige tudo mais inclusive mais inversão de capital, quer dizer tenho que ter dinheiro para investir para poder produzir, enquanto o segundo necessito de pouco espaço, os insumos necessários na sua maioria são locais e quase pouca ou nenhum investimento. Além de que toda a mão de obra produtiva pode ser a da família. Os jovens podem tranquilamente dar conta deste espaço. Este pode ser um espaço de aprendizagem, de experimentação, de provar competência. Além de não demandar grande quantidade de tempo para seu manejo diário, sem atrapalhar o processo escolar que demanda certo tempo para cumprir as tarefas de casa propostas pela escola.

UMA NOVA FORMA DE PRATICAR ECONOMIA

O que este tipo de economia necessita para comprovar sua eficiência são os registros do que se esta alcançando. Os números são os grandes parceiros comprobatórios do dar certo ou não. Vai exigir que a família possa ter controles sobre estas tarefas produtivas e consumistas. Um membro da família deverá ser escolhido para desempenhar este papel. Papel e uma planilha simples deverão ajudar nesta comprovação. Em muitos casos os resultados surpreendem muitas famílias, pois jamais imaginariam estes ganhos internos. A associação desta disciplina de registros mais a operacionalização da produção para o consumo direto da família aproveitando o entorno da casa e os recursos disponíveis subutilizados são com toda certeza a introdução de outra lógica na estrutura econômica familiar, que trazem resultados imediatos e duradouros. A produção a zero quilometro de distancia, isto é, perto de casa e mais ainda da cozinha é uma estratégia com enfoque sustentável que precisa se incorporada na cultura da agricultura familiar.

Primeiro se produz para a segurança alimentar e só depois penso em plantar para vender. Primeiro preciso garantir, assegurar que a alimentação da minha família esta tranqüila. O plantar para vender tem outra lógica de produção, com que produzir? Para quem produzir? Por quanto produzir? Onde vender? Toda esta lógica tem gastos de inversão como frisado anteriormente. Em muitos casos tem famílias que se endividam para poder atender toda a demanda do preparo a colheita, correndo riscos. Não tendo certeza que no período da colheita vai haver cliente querendo comprar e pagando um preço justo por seu produto.

O tipo de economia que o sistema divulga e que a maioria das propriedades se apropriou e transformaram em cultura quando comparado ao que se esta propondo nos remete as seguintes comparações:



Modelo atual divulgado e legitimado pelo sistema capitalista
Modelo proposto para a pequena propriedade
Vicia
Ensina, educa,liberta
Estimula os hábitos consumistas
Estimula hábitos produtivistas
Altamente dependente do real $
Depende da disponibilidade da mão de obra familiar
Totalmente monetária
Totalmente produto
Quem determina é o mercado
Quem deve determinar é a dieta familiar, os hábitos, costumes, cultura local.

INOVAÇÕES NA FORMA DE PRODUZIR E VENDER
Caminhos diferenciados a ser trilhados

Para melhorar e garantir o vender é necessário alguns conhecimentos básicos, entre eles lembrar que negócio é uma forma de SERVIR sem olhar a quem. Este serviço deve ser bem prestado para que estas pessoas divulguem e retornem a comprar este produto novamente. É preciso ter jeito, talento para saber conquistar e fidelizar um cliente que normalmente é conhecido na linguagem de feira livre de freguês. E não podemos esquecer que tanto na feira como nos mais variados espaços de comercialização a oferta é grande e em muitos casos a demanda é pequena. É justamente nestes momentos que o conhecer, o saber a experiência irão fazer a diferença.

Mas algumas perguntas são necessárias serem respondidas por nós mesmos se quiser-mos alcançar resultados satisfatório neste processo econômico. Ser diferente não é o caso, mas ter idéias inovadoras pode ser um grande diferencial nas estratégias de intervenção comercial. Perguntas como:

·         O que vai diferenciar meu produto dos demais?

Verdadeiramente o que vai diferenciar minha alface dos demais? É a pergunta objetiva que precisamos nos fazer se quiser-mos ser inovadores. Mas, muitos dos produtores se preocupam unicamente no produzir. O vender é tratado como outra etapa, não se dando a devida atenção. Não podemos esquecer que mesmo sendo outra etapa, ela deve estar completamente conectada com as demais. Desde a colheita até a consumação da venda, muitas etapas acontecem, e que precisam ser levadas em conta quando se busca um mercado mais justo e solidário. A etapa da venda ao consumidor é passada para outras pessoas (atravessadores), entregando todo seu trabalho para que os outros que não correram tanto riscos possam ganhar em cima do seu suor.

Outros questionamentos que se precisam ser levado em consideração é:

·      Devo vender meu produto pelo preço do mercado ou pelo preço justo?  Questionamento que precisa ser pensado articuladamente com os demais.
·         Devo vender meu produto perto ou longe da minha propriedade?
·         Onde posso obter mais lucratividade?

Em muitos casos percebe-se que os agricultores preocupam-se em comercializar seus produtos nos grandes centros, colocando estes produtos para fazer grandes viagens, aumentando o custo de produção, e não se atenta que às vezes comercializando seus produtos na própria comunidade ou até nos pequenos mercados recebendo até remunerações mais baixas, sua lucratividade pode ser maior, pois gastos com viagens de grandes distancias podem diminuir grandemente seus lucros, além da perda de qualidade na aparência dos produtos, que influencia diretamente nos preços de venda.

Como pudemos perceber muitas coisas podem ser feitas para as mudanças. Este texto não pretende esgotar todas as saídas para uma economia local diferente, mas com certeza leva os leitores a refletir a repensar o modelo vigente que estar proposto e sendo operacionalizado. Precisa-se perceber que são nas pequenas coisas e atitudes que as mudanças significativas podem acontecer. Pense simples, faça sempre e de forma que cause menos impacto possível ao meio ambiente, principalmente o mais local possível.

Antônio Roberto Mendes Pereira
Sebastião Alves
05 de janeiro de 2011

Bibliografia consultada

Woortmann, Ellen. O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa./Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.

Um comentário:

  1. Concordo que os pais estao passando experincias erradas para os filhos,futuramente os filhos nao vao querer trabalhar na terra,e nem seus filhos vao ter oque ensinar a os netos vao crescer sem cultura nenhuma,como deixar historia se ela nao existir para ser contada....toda a familia tem de aprender de cedo como lidar com a terra...com criar como fazer produzir ensinar a os filhos como a terra pode produzir e gerar bons frutos

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