quinta-feira, janeiro 20

A dieta e a agricultura

O anseio por comida farta e saborosa levou os seres humanos a desenvolver a agricultura. Logo, a dieta selecionada passou a ser usada pelos seres humanos como a base para se determinar o que vai ser cultivado ou não.  Os sistemas de produção são influenciados diretamente por esta dieta; a forma de plantar, aonde vai plantar, com que vai se plantar, que insumo vai utilizar, a época de plantar e a quantidade são informações direcionadas por esta dieta escolhida. Os sistemas de produção podem mudar constantemente se a dieta for alterada na tentativa de acompanhar as vontades e os modismos alimentares dos seres humanos. E como diz Fukuoka (1985) em seu livro Agricultura Natural “A menos que a dieta seja fundamentalmente saudável, a agricultura também não pode ser natural.”

Será que o homem está sendo correto ao desenvolver sistemas agrícolas de agricultura baseados em suas vontades alimentares ou isso foi um dos seus maiores erros? Observe atualmente como é a dieta do ser humano moderno, será que ela é saudável? Será que ela atende as necessidades do corpo ou simplesmente da cabeça? Muitas doenças atualmente são causadas por dietas erradas e por alimentos biologicamente incompletos, carentes em nutrientes. Como se percebe dieta, agricultura e saúde estão altamente correlacionadas, uma depende da outra para estar equilibrada. E a cada dia percebe-se que este trio vem em desequilíbrio constante e progressivo. Quantidade e qualidade também são um binômio necessário de estar em equilíbrio e normalmente se vê um aumento em quantidade não se levando muito em conta a qualidade do que está se produzindo. Precisa-se reverter este quadro, e este texto vem tentar mostrar alternativas pragmáticas de resolução.

CONTEXTUALIZANDO:

Quando se estuda a vida do homem primitivo percebe-se claramente que ele se alimentava do que encontrava na natureza como: vegetais diversos, peixes, aves, etc. Nesta época nada lhe faltava, a natureza tinha de tudo e lhe ofertava em abundância, ele não tinha que cultivar. Todos os alimentos eram dádivas da natureza, encontravam-se os mesmos nos campos, nascendo espontaneamente. A coleta era o único trabalho para que ele pudesse se alimentar de forma limpa e pura.

A terra tinha alimento em abundância, havia comida suficiente para satisfazer as necessidades de todos os seres vivos. Era uma condição natural: a natureza só permitia nascer o que podia alimentar naturalmente. O equilíbrio era uma condicionante para o ter ou para o não ter, e nisso a natureza é absolutamente fantástica, sabe fazer a sustentabilidade acontecer.

Diante de tudo isto é muito estranho que somente o ser humano reclame e lastime a falta de comida e se aflija com o desequilíbrio de sua dieta. Como é que a natureza consegue alimentar a todos atendendo cada necessidade diferenciada levando em consideração as diferentes espécies de seres que existem. E só o homem sente que as suas necessidades não são atendidas. Ele acha que precisa manipular mexer, mudar, transformar, fazer do seu jeito. Não é estranho? Os mais fracos e os mais fortes dos organismos vivos encontram suas necessidades plenamente atendidas e o ser humano não consegue atender as suas! Parece que o cardápio que a natureza lhe oferece não é saudável e suficiente, precisando criar uma dieta particular e às vezes personalizada. O Homo Sapiens é mesmo complicado de se entender e de se sentir atendido. Faz parte da existência humana.

É bom lembrar que os animais nascem com uma capacidade instintiva de distinguir entre o que eles podem e o que não podem comer e, portanto são capazes de se alimentar plenamente e de forma correta, as “lojas da natureza” termo utilizado por Fukuoka (1985) tem de tudo, na quantidade suficiente, e quando falta um, tem outro que atende a demanda, de forma saudável e natural, sem a necessidade de manipulação, sem químicos, sem adubo, sem pesticidas. No homem este estágio de alimentação instintiva que é parte da sua infância dura pouco.  E quando o homem começa a se familiarizar com os seus arredores, com seu entorno, ele começa imediatamente a emitir julgamentos e a se alimentar seletivamente de acordo com a sua imaginação, impulso e modismo utilizando agora em diante mais a cabeça do que a boca para se alimentar. Come mais pelos olhos do que pela boca!

Como dito anteriormente os animais através do seu instinto alimentam-se balanceadamente, ou melhor, nutritivamente correto, mas o homem com o seu conhecimento descriminam indistintivamente o que a natureza lhe ensina, e a partir do uso destes conhecimentos perdeu a noção do que seja uma dieta completa.

Quando o homem trabalha para corrigir sua dieta desequilibrada, ele estuda e analisa a comida, chamando isso de nutriente, aquilo de caloria, e tentando combinar todas as suas descobertas monta cardápios ditos balanceados, e cada vez mais fragmenta a sua dieta. Diante do exposto pergunta-se: alguém que não tenha todas estas informações sobre o que é uma dieta completa o que deverá fazer para comer balanceadamente? Ou, o comer uma alimentação balanceada só é privilégio dos donos do saber? Será que a natureza privilegiou somente alguns ou sua estratégia é de atender a todos indiscriminadamente? Como sem ter este conhecimento poderá ter uma dieta equilibrada e natural?

Para verificarmos o quanto a dieta é determinante na construção de modelos agrícolas, imagine o quanto o cumprimento de um cardápio construído sem se levar em conta o local, as estações do ano pode causar e induzir a produção de produtos fora de época contribuindo para o uso de insumos químicos ajudando no desequilíbrio ambiental. A compra de uma fruta cultivada fora de época é a mesma coisa que de uma forma assumida entrar em uma quebra de braço com a natureza. Onde a natureza nos diz “não é época, o tempo não é propício” e o homem diz “vou produzir sim, se vier praga uso pesticidas, se faltar água eu irrigo, se o solo não tiver os nutrientes necessários, eu fertilizo quimicamente”. Como se se percebe é criado todo um ambiente antinatural, todo artificial, ora de defesa ora de ataque e nunca de parceria, de respeito, de entendimento instintivo e natural. Precisa-se também repensar esta forma de querer se alimentar de um produto durante todo o ano se ele é de ciclo, de safra, e instigar a alimentação com produtos da safra da época. Estes com certeza por ser produzidos na época certa, assim teremos a natureza do nosso lado, a nosso favor, nos ajudando com toda sua força natural.

Como redirecionar esta dieta e fazer com que os sistemas de produção possam seguir a lógica de forma mais completa da natureza? Como perceber as nuances que fazem a diferença e poder seguir os princípios que elas trazem na sua essência? Como planejar uma dieta onde possa se comer o que nasce e não o que se planta?
Como proposta para fazer uma agricultura mais harmoniosa tendo como parceira a natureza sugerimos as seguintes tarefas operacionais:

SUGERINDO:

A primeira tarefa teórica antes de se fazer a agricultura na Zona 1 é reexaminar atentamente a dieta alimentar da família, observando se a mesma atende a uma alimentação saudável e diversificada. A segurança alimentar da família deve ser uma base sólida para a tomada de decisão na hora da escolha, da seleção, do que vai ser plantado para o consumo da mesma.

A segunda tarefa é criar um cardápio alimentar levando em consideração: as características da região, a fertilidade do solo, a quantidade de água disponível e armazenada, as estações do ano, o número de pessoas da família, não esquecendo a cultura, ou melhor, os BONS hábitos culturais.

A terceira tarefa é o uso da matemática e da economia, da eficiência e otimização do espaço e tempo, e dos insumos do entorno da casa. Os meios de produção como água, terra disponível e apropriada, matéria orgânica e o uso de energia devem ser utilizados de forma efetiva, eficiente e eficaz. Incluir simplesmente o necessário para otimizar o espaço, contribuindo para o aumento da biodiversidade de espécies produtivas que atenda a dieta planejada. Se 4 pés de mamão atende a necessidade da família, porque plantar a mais? Estes pés a mais vão tomar espaço de outra espécie alimentar. Reduzir o espaço e dá tempo ao tempo é uma estratégia que deve ser utilizada permanentemente.

A quarta tarefa é criar e estimular formas de plantio onde não se planta. A tarefa maior é não desperdiçar os recursos genéticos, aproveitando ao máximo todas as sementes e caroços lançando as mesmas em áreas que existam probabilidades de germinarem e crescerem de forma espontânea (natural). O entorno da casa (Zona 1) é um espaço adequado e privilegiado para esta maneira natural de produzir. O estimulo a este tipo de cultivo deve ser amplamente expandido lentamente dentro de todas as zonas da propriedade. Vale apena salientar que esta estratégia de forma espontânea já acontece em muitas propriedades, quando no munturo do quintal são atiradas as sementes da manipulação alimentar. Toda planta que nasce por si só, tem maior probabilidade de produzir sem ataques de pragas e doenças, ela só nasceu ali por que encontrou todas as condições naturais atendidas para sua espécie. A biomimética[1] precisa ser estudada e aplicada em todos os espaços humanos.
Um alimento completo para o homem, que inclua todos os nutrientes necessários em quantidades suficientes, precisa – além de conter cada um dos componentes presentes nas raízes, folhas, frutas é necessário que estes elementos estejam presentes no SOLO, pois este é o depósito natural onde as plantas devem encontrar quase todos os nutrientes para um crescimento perfeito e equilibrado.

O homem deve ser este ente que deverá contribuir para que este solo não venha a perder em forma de fluxo (entrar e sair), estes nutrientes. Deverá contribuir também permanentemente para favorecer sistemas agrícolas que mantenham ao máximo os equilíbrios entre o sair e o retornar (reciclagem continua e permanente). Solo rico e equilibrado significa alimentos nutritivos e completos, que pode alimentar seres humanos e animais de forma nutritiva, saborosa e balanceada.

Como vemos precisamos reaprender a como reelaborar o cardápio e o espaço para que esta dieta possa ser produzida da forma mais natural possível. Permitir que a natureza possa ser novamente natureza de forma pura e espontânea, produzindo o sustento para todos os seres que naquele espaço convive e habita.

Antônio Roberto Mendes Pereira
Técnico, Pedagogo e Permacultor


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Masonubu Fukuoka, Agricultura Natural – Teoria e prática da filosofia verde, livraria Nobel S.A. 1985.


[1] Biomimética - É a área da ciência que estuda as estruturas dos seres vivos (forma, função, composição, dinâmica, inter-relação, etc.) construída ao longo do tempo pela seleção natural.

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