quinta-feira, abril 21

Recompondo a sala aula natural e os espaços de aprendizagens da propriedade familiar


Antônio Roberto Mendes Pereira

Onde o sertanejo aprende a lidar com a agricultura e com as criações?

É impossível compreender onde se dá esta aprendizagem sem conhecer a vida dos sertanejos. A luta pela vida faz dele um experimentador nato, testando isso e aquilo, sempre buscando aprender mais um pouco com a realidade que esta vivendo. A vida primitiva e simples que ele tinha antes, está se tornando moderna, perdendo todas as características do testar primeiro antes de aumentar a quantidade a ser produzida. Toda esta cultura está sendo modificada pela entrada da era do conhecimento onde se não se conhece bem o que se faz não está apto para competir no mercado.

Os modelos clássicos de ensinar e aprender novos conhecimentos ou porque não dizer conhecimentos significativos está ficando superados, precisa-se de formas inusitadas de provocar esta aprendizagem. Os modelos pedagógicos utilizados e todos seus instrumentais já não estão alcançando resultados satisfatórios.

E a cada dia, a necessidade por novos conhecimentos vem aumentando. O produzir vem exigindo mais informações, mais conhecimentos. Para fazer agricultura é necessário ter mais conhecimento que antes. Com apenas o conhecimento cultural que a maioria das famílias possui é impossível praticar uma agricultura que lhes traga rentabilidade de forma permanente, justa e ambientalmente correta.

Anteriormente com a experiência e o saber dos avôs era suficiente para praticar uma agricultura produtiva e rentável, pois os solos respondiam a todos os estímulos nele incorporado. A prática da agricultura neste momento histórico e geológico era mais fácil. A população a ser alimentada era menor e os solos ainda estavam com toda sua carga de fertilidade natural.  Havia mais equilíbrio no ambiente das propriedades, mas pelo uso de um sistema de produção criado e divulgado pela revolução verde através do uso de insumos químicos e de um manejo inadequado, estes solos foram exauridos, não respondendo mais aos conhecimentos e experiências que as famílias possuíam.

O mundo moderno está permanentemente progredindo, será que é bom os agricultores acompanharem este progresso do produzir sempre mais? Onde ele vai aprender estes novos conhecimentos? Quem vai selecionar estes conhecimentos? Com qual intenção?

Atualmente, os espaços para aprender novas formas de fazer agricultura são poucos. A escola do campo, que deveria assumir um papel social de produzir conhecimentos sobre o espaço do campo, não o faz, repassa conhecimentos de pouca ou nenhuma serventia para a lida do roçado, e da propriedade como um todo. É como se esta escola preparasse os jovens não para saber viver e lidar no campo, e sim para retirá-las deste espaço, conduzindo estes jovens e seus pais para os centros urbanos, estimulando o êxodo rural, e o envelhecimento e a masculinização deste espaço.

Os instrumentos de mídia como a TV através das emissoras são as grandes vedetes e vendedoras de insumos químicos para uma prática de agricultura onde os meios de produção não são levados em conta, polui o solo, o ar, a água e as pessoas que destes alimentos consomem e produzem. O solo que deveria ser à base da saúde das pessoas hoje é o meio de produção de alimentos de baixa qualidade biológica, além de estarem desbalanceados, quando comparados aos produzidos naturalmente.

Pelas pesquisas apresentadas sobre alimentos contaminados muitos produtos são verdadeiros alimentos recheados de venenos e outras substâncias cancerígenas e intoxicantes. Os programas de TV dedicados as ciências agrárias são veículos que utilizam a mídia e o marketing para o aumento das vendas de todos os tipos de insumos, que contribuem para a baixa qualidade biológica dos alimentos e degradação dos solos. Divulga-se o aumento de produtividade através do uso destes insumos, mas pouco se divulga os males que estes insumos podem e causam ao ambiente e as pessoas.

A assistência técnica infelizmente segue a lógica da agricultura moderna para o aumento do uso de todo um pacote tecnológico centrado no uso de máquinas, aumentando o gasto com energia, aumentando a relação “energia aplicada versus energia produzida ou resgatada”. O sistema de produção que é divulgado como a fórmula para a proteção e produção é o baseado nas pesquisas que também são norteados pela mídia para acompanhar a modernidade produtiva. Alegam que o Brasil não pode ficar a reboque das pesquisas dos outros países que dedicam investimentos em pesquisas na área dos transgênicos, dos híbridos, da monocultura, etc.

Os extensionistas são preparados para prestarem uma assistência ao uso destes produtos. É dada uma assistência ao produto, e não a propriedade como um todo, ela é vista unicamente como uma unidade produtiva, não transcendendo a produção.  Não se acompanha a propriedade na sua inteireza, não se está preocupada com a saúde da família, com a educação, com o meio ambiente, com a cultura local. Em muitos casos é uma assistência que estimula o paternalismo e a concentração do saber, pois a visita é feita ao pai e não a família. A família não é envolvida no processo nem da visita e muito menos do acompanhamento. Ela é protagonista do filme mais não sai na legenda. O protagonista é o técnico e seus ensinamentos e a família é mero objeto da ação deste protagonista.

Como vimos às entidades e os atores sociais que poderiam fazer diferente, ensinar diferente, produzir diferente, acompanhar diferente, não fazem nada de diferente, estimulam e perpetuam o modelo de desenvolvimento que hora esta vigente e divulgado pela mídia e legitimada pelo governo nas suas políticas de ATER (assistência técnica e extensão rural).
Diante de todos estes fatos como fazer para que os agricultores possam aprender e até repensar seus conhecimentos?

Onde aprender? Quem vai ensinar?

Este texto pretende trazer reflexões e sugestões para estes desafios que hora são impostos a realidade rural. Não pretende esgotar o tema, mas influenciar na reflexão de como melhorar as aprendizagens dos agricultores independentemente de uma assistência técnica ou outra forma para se aumentar os conhecimentos.

Os conhecimentos empregados nas zonas[1] 0, 1, 2, 3 e 4 deveriam ser aprendidos na própria propriedade. As propriedades precisam ter um sistema educacional próprio e local, onde as demandas por conhecimento fossem primeiro analisados, comparadas e estudas no local e tomadas às decisões necessárias. A zona 05 na Permacultura é este espaço privilegiado para esta produção de conhecimento. É o espaço onde a natureza deve estar na sua forma original, espaço onde o homem não intervém, simplesmente aprende, estuda, verifica como a natureza agi, faz e executa. O sistema educacional da propriedade é este espaço, onde tudo que vou fazer nas demais zonas devo primeiro entender como a natureza operacionaliza cotidianamente.

Aprender com as plantas, com os animais, com os insetos, aprender com a passarada, com a chuva, com o vento, com o sol é o caminho para uma aprendizagem duradoura e por que não dizer sustentável. Entender como acontece à integração entre todos estes elementos sem nenhum subjugar os demais é uma lição para ninguém esquecer jamais. Espaço de parceria, de interdependência, de conexão, de combinação é tudo que se precisa aprender para se montar os agroecossistemas cultivados. Espaço perfeito de equilíbrio desequilibrado, de caos ordenado, de mistura, de tudo junto e misturado.

A matemática deste espaço é fantástica: pesar, medir as distâncias, a quantidade, a diversidade, as relações e equações para a resolução. Alguns pensadores da antiguidade diziam que a linguagem que a natureza utiliza para se expressar é a matemática, numa visão simplista. Mas ela é muito mais complexa e complicada do que se pensa.

Deve ser também considerada como área de observação e contemplação. É o espaço onde ao se contemplar percebe-se a grandeza da natureza. Sua magnífica complexidade onde tudo e todos estão ligados de forma simbiótica e harmônica. Onde tudo que nasce e cresce é espontâneo, completo e singelo.

A partir deste espaço posso aprender e entender conexões, tipos de consórcios, altura máxima das árvores daquela região adaptada ao tipo de solo, a umidade presente e permanente. Ela dá o norte dos cultivos das outras Zonas. É o santuário da propriedade onde abriga e protege a fauna e a flora nativa daquela região. Preserva o material genético de muitas plantas e animais. Além de ser a maior seqüestradora de carbono de toda a propriedade.

APRENDENDO COM A ZONA 05

1.                  Quantidade de matéria orgânica necessária por metro quadrado. Coletando e pesando toda a matéria orgânica que está presente no solo em um metro quadrado, tem-se a média de biomassa que deve voltar ao solo de forma permanente para manter a fertilidade e bioestrutura daquele espaço. A imagem ao lado mostra a coleta da matéria orgânica em 1 metro quadrado para posterior pesagem.

2.                  Observar a altura máxima das árvores desta Zona, este é um bom indicador para  saber mais ou menos o porte das árvores que aquele solo pode suportar. Ajuda-nos a não cometer erros na escolha das culturas e do seu porte.

3.                  É uma fábrica de solo equilibrado e rico. O retorno de matéria orgânica diversificada e a quantidade de funcionários (microorganismos do solo) que decompõe e liberam os nutrientes de forma dosada e gradativa para as plantas. É a melhor fábrica de terra boa que uma propriedade pode ter. Ela nos ensina como fabricar esta terra no seu laboratório natural.





4.                  A quantidade de plantas encontradas por metro quadrado também é um grande indicador da capacidade de suporte do solo. Pode-se contar esta quantidade de plantas, observando as espécies, os formatos e tentar imitar esta quantidade e formas nos plantios das Zonas 01, 02 e 03.

5.                  O jogo de luz deve ser observado e imitado. A natureza sabe como dosar a quantidade de luz para todas as plantas que compõe o espaço. As plantas que precisam de mais luz estão em cima as que precisam de menos estão em baixo, e todas as necessidades são atendidas. Distribui quantidades de luz não iguais e satisfaz a todas ao mesmo tempo.

6.                  Os andares da mata também são uma forma de arrumação que precisa ser entendida e imitada nas demais Zonas. Os andares estão ligadas a otimização dos espaços. Como melhor aproveitar os espaços, os nutrientes, a água e a luz.


7.                  Outra grande aprendizagem da floresta natural é como guardar a umidade do solo. Ela faz isso de forma brilhante sabendo dosar a água que está no solo até que um novo abastecimento natural venha acontecer (chuva). Ela utiliza uma cobertura natural de folhas que evita a evaporação, conservando toda água de forma disponível para as plantas. As florestas transpiram água para o ar. Elas são como bombas biológicas. Nas áreas florestadas chove de 5 a 6 vezes mais do que nas áreas não florestadas.

O efeito da presença da vegetação abundante leva as mudanças na precipitação das chuvas, na quantidade, na qualidade da água, na distribuição e na temperatura interna do ambiente. Chove mais. Cria-se um microclima.


A Zona 05 é abrigo de várias espécies nativas de animais silvestres como, por exemplo: cobras, lagartos, felinos, pássaros diversos. Que ajudam no controle ecológico de várias outras espécies.

 Se os roçados continuarem sendo à base dos conhecimentos para as demais áreas da propriedade e para a reprodução familiar, a lógica produtiva vai continuar a mesma. Todo lógica antinatural vai continuar servindo de referencia. O que se pretende é que o modelo para todas as áreas ou zonas da propriedade seja a floresta na zona da mata e a caatinga no sertão. Espaços intactos destes biomas precisam voltar a existir em parte das propriedades para servirem de sistema educacional e inspirar a operacionalização das tarefas produtivas de toda a propriedade. Sistema educacional onde o professor é um conjunto de equilíbrios instaurados pelos elementos presentes nos ecossistemas naturais. Este espaço está até garantido na lei do código florestal brasileiro – lei nº 4.771/1965 que criou o espaço de Reserva legal nas propriedades (20% as área) que deve ser mantida para conservação da vegetação nativa, como abrigo da fauna e flora. A partir desta proposição minha estou dando mais uma grande utilidade para esta reserva legal a de servir de inspiração para operacionalização da gestão de toda a propriedade. 

Espero que a partir da implantação ou recomposição possamos ter agricultores orgulhosos em ter uma área de conservação da natureza e ser reconhecido como protetor desta natureza. Além dessas vantagens podemos citar vários outros como aumento da área de captura de carbono, está cumprindo parte de sua cidadania ambiental e ser seguidor da lei ambiental conservando o maior bem da humanidade o meio ambiente e seus recursos. Recompor a área de aprendizagem é deixar que Zona 05 na propriedade caso não exista que ela possa se refazer de forma natural, sem a pressa humana. A natureza sabe como fazer para se recompor só não necessita da intervenção humana. Que ele não mexa, não tire, e que o crescimento espontâneo seja o caminho que a natureza utilize. Durante a recomposição aprenda com a natureza, observe como ela faz, veja os detalhes, os consórcios, os ciclos.
A produção de informação deve acontecer em todas as áreas da propriedade, mas o fluxo correto para uma analogia perfeita com a natureza deve ser:

Sistema educacional tem a informação, o homem pesquisa, verifica, aprende se apropria e tenta utilizar as aprendizagens nas demais áreas ou zonas da propriedade. Todas as vezes que nos depararmos com um problema produtivo pergunte a mata e a resposta vai lhe ser dada através da observação de como acontece e da forma mais correta que possa existir. E não esqueça a zona 05 é interdisciplinar no ensino e na aprendizagem. Este espaço é tão completo e multidimensional que pode orientar como deve ser o comportamento humano para viver em grupo.

E quanto ao espaço de testar as aprendizagens não tem melhor que o terreiro da casa (zona 01), espaço próximo que pode ser acompanhado todos os dias sem muito esforço. Além de ter vários alunos fazendo, vendo, tocando praticando os procedimentos análogos orientados pela natureza. É um espaço privilegiado para a experimentação em pequena escala para depois se fazer a transferência para as demais zonas de produção inclusive a comercial.

A recomposição deste espaço (zona 05) é a garantia de liberdade de aprender, de se libertar da assistência técnica que na maioria das vezes vem com intenções adversas e diferentes as da natureza. Aprendendo formas de fazer sem ter que comprar nada, sem poluir, sem danificar o meio onde se vive e se produz. É por isso que afirmamos que a mata ou floresta, ou até a caatinga são grandes espaços de aprendizagens, que podem nos servir de modelo para quaisquer outros espaços.

“Este mundo está farto de grandes soluções. Está cansado de gente que sabe exatamente o que há para se fazer. Está aborrecido de gente que anda com a ‘pasta cheia’ de soluções buscando problemas que se encaixem com as suas soluções. Creio firmemente que devemos começar a respeitar um pouco mais a capacidade de reflexão do povo em relação à natureza (e de solução do povo) e o poder do silêncio” Eros Marion Mussoi.

Valorizar a diversidade étnica e cultural da espécie humana e fomentar diferentes formas de manejo produtivo da biodiversidade, em harmonia com a natureza é o caminho para as transformações necessárias. Recomponha este espaço e desfrute das aprendizagens perpetuantes.


16 de abril de 2011


[1] Zoneamento – Divisão da propriedade pela intensidade e freqüência de uso de energia utilizado pela Permacultura nas propriedades.

2 comentários:

  1. deve-se entrar em consenço os conhecimentos adiquiridos pelos tecnicos das ciençias agrárias em suas formações e os conhecimentos adiquiridos pelos produtores em suas gerações e jutos ambos devem entender,respeitar e imitar os saberes da natureza para que realmente se tenha uma propriedade agroecologica sústentavel.
    autor: Dmião De Souza Melo

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  2. Deve-se entrar em consenço os conhecimentos adiquiridos pelos técnicos das ciençias agrárias em suas formações e os conhecimentos adiquiridos pelos produtores rurais em suas gerações familiares e juntos devem entenderem, respeitarem e imitarem os saberes da natureza prara que realmente tenha-se propriedades agroecologicas sústentavés.
    Autor: Damião Souza Melo.

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