sexta-feira, dezembro 23

As sementes crioulas na melhoria da genética local - Perpetuando o que se tem

Antônio Roberto Mendes Pereira 

A perpetuação e melhoria do capital genético de uma propriedade rural são inteiramente responsabilizadas pela manipulação e seleção das sementes e da qualidade genética dos animais por ele criada. E com a expansão dos sistemas agrícolas, tendo como base o uso de insumos industriais, sendo caracterizadas pelo uso de sementes híbridas e transgênicas, as sementes nativas e ou crioulas vem perdendo seu espaço de cultivo. Os agricultores estão perdendo sua autonomia até na escolha do que vai plantar e criar, pois o mercado impõe padrões, variedades, formas, modelos através das mídias de TV, revistas, exposições agropecuárias, feiras etc. 


Em contrapartida a tudo isso, o nível de consciência vem aumentando, tem mais gente percebendo e entendo todo este processo de manipulação que está sendo utilizado pelo sistema capitalista, e em vários lugares do mundo surgem iniciativas para novas posturas de escolha e uso diante dos processos produtivos, e um deles é a busca pelo material genético nativo, crioulo como forma de aumentar a autonomia dos agricultores. Este penúltimo texto do ano pretende mostrar a importância deste capital genético como uma das formas de aumentar esta autonomia. 

Precisamos entender que as sementes ou variedades são um verdadeiro presente construído através das gerações, pois houve um tempo onde as plantas cultivadas e os animais eram selvagens e para que estas pudessem ser plantadas e criados e ter produção e colheitas cada vez maior e melhor, precisaram da intervenção do homem, através da domesticação. 


Domesticar significa ter domínio sobre a variedade vegetal ou animal, na intenção de transformar as características naturais em características que sejam interessantes para as necessidades humanas. E através da seleção repetitiva e insistente, escolhendo a cada geração sempre as características do interesse humano, estas vão sendo adequadas a estes interesses, ou melhor, vão sendo domesticadas. Até hoje em dia as variedades vão sendo domesticadas ao interesse humano, mas sempre tendo como limite a qualidade edafoclimática de onde está se implantando a cultura. 

Este parâmetro precisa ser levado em conta, pois de outra forma teríamos uma semente doméstica para determinada vontade, mas não adequada para o solo e ou para o clima de determinada região. A domestificação deve acontecer sempre levando em consideração os domínios do agroecossistema onde o cultivo em melhoramento vai ser cultivado. Com isto teremos uma semente adequada e domesticada para o interesse e o meio. 




COMO OCORRE O PROCESSO NORMAL DE DOMESTICAÇÃO DAS VARIEDADES CRIOULAS 

Tabela adaptada da cartilha do Centro Ecológico – Biodiversidade, passado, presente e futuro da humanidade. 

A domesticação de um elemento pode ser tão intensa e profunda, que pode fazer deste elemento melhorado um dependente da situação onde foi criado e das necessidades para que foram selecionadas. Cada seleção vai exigir uma qualidade do ambiente que vai ter que ser atendida, ou de outra forma a característica selecionada não vai acontecer na sua totalidade. 

Com os deslocamentos humanos, mudando de região em busca de melhores espaços e de comercio, as espécies domesticadas foram sendo disseminadas para outras regiões. E cada vez mais também se adequando a estes novos espaços. 

A batata, o tomate, o amendoim a macaxeira, pimentão, feijão, mamão, goiaba, caju, maracujá, entre outras, foram plantas domesticadas na America do sul, onde até hoje encontramos uma grande diversidade destas culturas e também dos seus parentes silvestres. 

ORIGEM E TEMPO DE UTILIZAÇÃO DE ALGUMAS CULTURAS 

Fonte – FAO 

Pela estimativa de tempo de utilização a maioria das plantas apresentadas no quadro, demonstra-nos que foram domesticadas mesmo antes do nascimento de Cristo. Todas até hoje fazem parte da dieta de muitas regiões. Se fizermos uma comparação com a utilização dos insumos químicos como agrotóxicos, adubos sintéticos entre outros que passaram a ser utilizados de forma generalizada nos sistemas agrícolas, somente depois de 1950 (revolução verde), e que a agricultura é praticada a mais de 10.000 anos, podemos chegar à conclusão de que, a maior parte do tempo, o ser humano não precisou destes insumos que ora são comercializados e divulgados de forma tão contundente pela mídia como forma única de se conseguir produzir. 

A agricultura familiar com certeza é responsável por boa parte da manutenção da existência destas variedades crioulas, pois a seleção, coleta e a repetição permanente de novos cultivos para que o poder germinativo das mesmas não se perca ou diminuam se faz necessário. Logo, o plantio todos os anos, é uma forma de manter viva a variedade, além do seu aperfeiçoamento. 




A evolução desta domesticação além das inúmeras nova variedades que vão sendo criadas a partir de um exemplar e da mistura entre eles se devem com certeza ao manejo destas sementes, feitas principalmente pelos pequenos agricultores. 

As trocas de sementes também são responsáveis pela disseminação e preservação destas variedades. Mas, vale apenas saber que a partir do momento em que a ação humana deixa de acontecer, elas permanecem na natureza por pouco tempo ou desaparecem através das competições que ocorrem com outras plantas silvestres. Este é um aspecto que diferencia as plantas domesticadas/cultivadas, das plantas silvestres, ou selvagens, e que mostra a estreita ligação entre as plantas cultivadas e o ser HUMANO. 

DIFERENÇA ENTRE PLANTAS SILVESTRES E PLANTAS DOMESTICADAS 

Quadro reproduzido da cartilha do Centro Ecológico – Biodiversidade 

Outra informação que precisamos entender é que as sementes silvestres conseguem sobreviver e permanecer no solo durante muitos anos, esperando as condições propicias para a sua germinação. Já no caso das sementes cultivadas, este processo não acontece, pois se não existirem as condições idéias para sua germinação (luz, água, e temperatura) e seu manejo durante todo seu período produtivo elas definham, muitas nem conseguem germinar, apodrecendo, sendo necessária uma nova semeadura. Mas, uma vez percebe-se que se não acontecer parceria homem/planta todo processo vai por água abaixo, não se consolida. A dependência é mutua, as plantas domesticadas dependem do cuidado humano e nós dependemos dessas plantas para nossa alimentação e sobrevivência. 


PRODUTIVIDADE DAS VARIEDADES CRIOULAS 

A produtividade das variedades crioulas é bastante satisfatória quando levadas em conta a observação das necessidades ecológicas de cada variedade. Estas variedades são menos exigentes quando comparadas com as sementes selecionadas, comercializadas em casas especializadas neste tipo de insumo. Quando estas recebem o mesmo tratamento que normalmente são dadas as sementes hibridas, por exemplo, sua produção não deixa a desejar, além de se fazer uma grande economia de insumos, pois as exigências são menores. 

Estas variedades se desenvolvem muito bem quando algumas práticas de manejo são utilizadas, vejamos algumas: 

Quadro copiado da cartilha do Centro Ecológico – Biodiversidade 

Atualmente um grande problema vem sendo gerado através do cruzamento que muitos agricultores vem fazendo das variedades crioulas com as variedades industriais. O resultado destes cruzamentos é que as variedades crioulas passaram a possuir determinadas características das variedades industriais, perdendo em muitos casos sua resistência. Este processo é conhecido como erosão genética, aonde determinada características interessantes vão sendo perdidas por causa destes cruzamentos, feitos muitas vezes de forma inconsciente. 

O QUE SE BUSCA NA SELEÇÃO DE VARIEDADES CRIOULAS? 

Várias características podem ser manipuladas através da seleção de uma determinada espécie e ou variedade. É preciso saber o que se quer melhorar e iniciar o processo da seleção, escolhendo uma variedade que mais tenha as características que se procura. E a cada plantio, observar detalhadamente quais as plantas que estão trazendo as características que se está procurando com ênfase. Marcam-se estas plantas e no momento da colheita suas sementes são separadas para que no próximo ano, estas possam ser plantadas e todo o processo se reinicia. É um trabalho que pode levar anos, até se conseguir as características que se quer. 

Tem muitos produtores que além de selecionar a planta, ainda selecionam as sementes desta mesma planta, buscando as sementes com a melhor aparência, sem defeitos, manchas, sinais de ataque de pragas e enfermidades. 

É um trabalho lento mais fascinante, pois imagine encontrar o que se esta procurando em uma área com mais de 5 hectares de milho, quantas plantas cabem em um hectare de milho? Agora se imaginem procurando e marcando as plantas que possuam as características que se está buscando selecionar. 



POSSIBILIDADES NA SELEÇÃO DO MILHO 

Quadro retirado da cartilha Biodiversidade do Centro Ecológico 

Como vemos a segurança alimentar passa também pela seleção das variedades crioulas, e quanto mais diversidade dentro da mesma espécie como também de espécies diferentes possamos ter na propriedade, mais segurança estamos tendo. A diversidade de espécies e variedades constitui uma das estratégias da agricultura familiar, possibilitando saúde, economia, e alimentação farta e diferente. 

Monte um banco de sementes na sua propriedade, troque sementes com vizinhos, aumente o potencial genético da sua propriedade através do armazenamento genético das mais diferentes variedades, principalmente das adaptadas ao seu ambiente. Resgate variedades que na antiguidade produzia sem necessitar de muito manejo, ou melhor, sem muita intervenção humana. 

A recuperação do hábito ou costume de plantar variedades crioulas, além de estimular a produção aumenta sua autonomia em relação a disponibilidade de sementes. Popularize estas idéias para que possamos voltar a encontrar as variedades crioulas com mais facilidade, e lembrem-se, cada lugar tem sua história, seu jeito de fazer agricultura e sua forma de perpetuar o que é bom, seja mais um nesta luta na contribuição de perpetuar as nossas sementes e variedades nativas, crioulas, natural, domestica, rústica ou como se queira chamar. 

Estamos chegando ao final de mais um ano, e novas expectativas e esperanças se renovam dentro de nós. Mas, antes do termino deste precisamos avaliar nossas conquistas e perdas, espero que este ano eu tenha contribuído um pouco com os textos que escrevo. Espero sinceramente que as idéias práticas e muitas delas teóricas e intuitivas tenham clareado para um aumento da relação homem/natureza. A disciplina de escrever um texto toda semana não foi fácil, mas consegui, graças principalmente pelos acessos e o número de seguidores que vem acompanhando o que escrevo semanalmente. Irei iniciar o ano com a mesma expectativa de escrita, porém sem o compromisso de escrever um texto semanalmente. 

Um feliz natal a todos e que este novo ano que se aproxima possamos cada vez mais engrossar este quadro de PERMACULTORES PRATICANTES E ATIVOS. 

22 de dezembro de 2011

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