sexta-feira, julho 22

Os ecossistemas e as conexões necessárias - Padrões da natureza


Antônio Roberto Mendes Pereira

Entender a realidade não é coisa fácil, podemos ficar olhando, contemplando durante horas e horas, e o que nossa vista nos deixa ver não é o real, é uma pequena parte do real, a que chamamos de realidade. Os cientistas para melhor entender esta realidade usam de diversos métodos para descobrir de que se compõe esta realidade.

Se olharmos através de uma janela de uma casa na zona rural, vamos observar plantas diversas, morros, terra, animais diversos, flores, frutos, céu, nuvens, sol, rio etc. A este quadro que estamos vendo chamamos de realidade. Porém, para entender esta realidade precisa compreender, que não posso entender analisando simplesmente cada item desta paisagem. Necessito entender as relações que existem entre cada um destes itens.

Preciso compreender o que o rio tem haver com o sol, o sol o que tem haver com os frutos, os frutos o que tem haver com a terra, e assim sucessivamente, e por fim o que isto tudo tem haver comigo, com a minha casa, com a casa do meu vizinho, com minha cidade e assim sucessivamente. Nunca vou conseguir entender o todo estudando simplesmente as suas partes. Não é através meramente da análise que vou entender o todo, preciso também da síntese.


E este texto tem como finalidade tentar melhorar a compreensão deste novo jeito de ver a natureza.
Para melhorar nosso entendimento vamos buscar no contexto histórico respostas para o nosso comportamento antiecológico.

1º O ENTEDIMENTO CULTURAL
Antes de 1500, a visão do mundo dominante na Europa , assim como na maioria das outras civilizações, era ORGÂNICA. As pessoas viviam em pequenas comunidades e viam a natureza de forma respeitosa, buscava entender suas relações orgânicas e de complementaridade. Existia uma grande interdependência entre os fenômenos materiais e espirituais. O ser humano era visto como mais um na natureza. A terra era considerada como a mãe que sustenta tudo e todos por isso careciam de cuidado, respeito. Não se permitia o uso de fogo e muito menos qualquer tipo de agressão a mãe terra. A terra espiritualmente é dádiva de Deus. Pensamento este, que era vivenciado por todos neste período histórico.
Porém a partir do século XVI e XVII, esta visão mudou. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como uma MÁQUINA (pensamento mecanicista).

A ciência criou um novo método de investigação da natureza. Usava a descrição matemática da natureza, quer dizer procurava entender a natureza a partir de fórmulas matemáticas.  Diziam os cientistas da época (Descartes, Galileu Galilei, Francis Bacon, Newton, etc.) que a natureza é um livro aberto e para entendê-la temos que aprender primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi escrita. E essa linguagem é a matemática, e os caracteres são os triângulos, círculos e outras figuras geométricas. Esta época foi considerada como a idade da revolução científica.

Podemos nos perguntar: Porque pensamento mecanicista?
·         Tudo se explica matematicamente
·         O funcionamento é explicado através das leis da mecânica
·         Tudo se resolve matematicamente
·         Porque através da medição e de cálculos pode se construir outra igual.

Este pensamento mecanicista inicialmente foi dado ao mundo material, pois não havia propósito, vida ou espiritualidade na matéria. Depois em sua tentativa de construir uma ciência natural completa estendeu sua concepção mecanicista da matéria aos organismos vivos. Plantas e animais passaram a ser considerados simples máquinas. O exemplo mais usado na época foi a do relógio, que embora feito pelo homem, tem o poder de se mover por si mesmo. A postura de entender a vida a partir da máquina e dos seus mecanismos foi sendo postulado e aceito, e com certeza é de fácil compreensão para quem dela teve acesso.
Desde a antiguidade, os objetivos da ciência tinham sido a sabedoria, a compreensão da ordem natural e a vida em harmonia. A Ciência era realizada para a maior glória de Deus ou, como diziam os chineses, para “acompanhar a ordem natural”. Mas a partir de Bacon[1], o objetivo da ciência passou a ser aquele que pode ser usado para dominar e controlar a natureza e, hoje, ciência e tecnologia buscam, sobretudo fins profundamente antiecológicos. A natureza, na opinião dele, tinha que ser “obrigada a servir” e “ser escravizada”. Devia ser “reduzida à obediência”, e o objetivo do cientista era “extrair da natureza, sob tortura, todos os seus segredos”. E aquele antigo conceito de terra como mãe foi mudando radicalmente e transformado nos escritos de Bacon, desaparecendo por completo quando a revolução científica tratou de substituir a concepção orgânica da natureza pela metáfora do mundo como máquina. E hoje o conhecimento científico é usado para nos tornar-mos os senhores e dominadores da natureza.

Daí para frente à ciência foi restringida ao estudo dos fenômenos que podem ser MEDIDOS, PESADOS E QUANTIFICADOS. Esta ciência ficou conhecida como POSITIVISTA.
Porém esta estratégia foi extremamente bem sucedida em toda a ciência moderna, mas também exigiu um pesado ônus. Perderam-se a visão, o som, o gosto, o tato e o olfato, e com eles foi-se também a sensibilidade estética e ética, os valores, a qualidade, a forma; todos os sentimentos, motivos, intenções, a alma, a consciência, o espírito. Segundo Laing[2], nada mudou mais o nosso mundo nos últimos quatrocentos anos do que a obsessão dos cientistas pela medição e pela quantificação. Esta estratégia ofereceu-nos um mundo morto e provido de números .
A percepção de entender o todo a partir das suas partes foi de René Descartes[3]. Onde ele criou o método do pensamento analítico, que consiste em quebrar os fenômenos complexos em partes a fim de compreender o comportamento do todo a partir das propriedades das suas partes. Pensamento este que está culturalmente entranhado na nossa forma de ver e entender as coisas que nos cercam. Vejamos alguns exemplos cotidianos:
1.      Quando estamos com gripe e procuramos um médico, normalmente o médico não pergunta como é nossa alimentação, se gostamos de frutas e verduras, quais as condições da nossa moradia, se fazemos muito esforço físico no nosso trabalho, se vivemos em stress permanente, etc. Ele normalmente vai passar um antigripal e alguma vitamina c, porém se você se alimenta mal, com certeza dentro em breve irá adoecer novamente. Pois a visão do médico foi cartesianista, mecanicista ou reducionista, não viu o conjunto das coisas. Tentou resolver o sintoma e não as causas.
2.  O agrônomo que é procurado para resolver um problema de ataque de praga ou doença, normalmente irá tratar da seguinte forma: Vai passar ou um inseticida ou um fungicida, caso seja um ataque por fungo. Mas nunca pergunta pela:
3.       
  • Condição do solo?
  • Se esta forte ou fraco?
  • Seco ou duro?
  • Como se esta adubando o solo?
  • Qual a idade da planta?
  • De quanto em quanto tempo faz irrigação?
  • Quais os tratos culturais que está se usando?

4.      Quando nosso filho não passa de ano, normalmente buscamos a culpa em um único fator, visão esta meramente mecanicista ou cartesiana. Como maneiras sábias para descobrir quais as causas deveriam observar:
·        Será que a falha é do nosso filho?
·        Quem sabe se é um problema de visão despercebida?
·        Quem sabe se não é falta de competência profissional do professor (a)?
·        Que talvez a metodologia do ensino esteja tornando a aprendizagem mais difícil?
·        Pode até ser problema de relacionamento em casa entre pai e filho, ou quem sabe entre pai e mãe, interferindo psicologicamente no filho, diminuindo a aprendizagem escolar.

Poderíamos elencar inúmeros exemplos práticos que fazem parte do nosso dia a dia. Ver-se com estes exemplos, que normalmente temos e agimos de maneira reducionista, mecanicista. Identificamos os problemas por parte, e não conseguimos ver o todo.

Porque pensamento cartesiano? Porque foi o método criado e difundido por Descartes. Método da certeza matemática. Descartes acreditava piamente que a chave para compreensão do universo era a matemática.

Disse ele: “Não admito como verdadeiro o que não possa ser deduzido, com a clareza de uma demonstração matemática. Não podemos duvidar, pois matematicamente dois mais dois tem que ser quatro”.
Porque pensamento reducionista? Porque para se entender os fenômenos eram necessários reduzir os mesmos em pedaços ou partes. Esta grande ênfase ao método reducionista nos levou a pensar fragmentadamente.

·        As disciplinas acadêmicas também é o resultado do método reducionista.
·        Os profissionais especialistas também são resultados do mesmo.
·        Levou-nos a atribuir ao trabalho mental um valor superior ao trabalho manual.

2º A NOVA PERCEPÇÃO
Neste século podemos perceber que os problemas globais estão aumentando vertiginosamente. Estes problemas estão danificando a biosfera prejudicando a sobrevivência da humanidade. São graves e de proporção alarmantes, e se continuam a persistir vão ser irreversíveis. Não irão se encontrar soluções tão fáceis, e quem sabe não encontraremos soluções de tão irreversíveis.

Problemas como fome, falta de água, aumento da temperatura, devastação do meio ambiente, desigualdade social, poluição etc. São hoje comuns em qualquer parte do mundo inclusive nas áreas de exclusão. Quanto mais estudamos estes problemas, mais somos levados a perceber que não podem ser resolvidos de forma isolada. São problemas sistêmicos, quer dizer, são interligados, interdependentes, conectados. Não se resolve por parte. Necessita-se de uma visão conjunta, sistêmica. Por exemplo:


·    A escassez de água não se resolve simplesmente construindo-se açudes, ou barragens, é necessário se rever a forma como estamos tratando a natureza. Quer dizer, temos que parar com os desmatamentos, replantar árvores, deixar de fazer queimadas, evitar a monocultura, diminuir o uso de tecnologia de produto e incentivar o uso de tecnologia de processo, aumentar a diversificação, aumentar o uso de adubação orgânica para melhorar a bio-estrutura do solo, facilitando o ciclo da água, etc.

·   O problema da fome não se resolve com cesta básica, com frentes de emergência, com políticas compensatórias, com esmola, etc. E sim com redistribuição de terra, com capacitação para aproveitamento dos recursos internos, com trabalho produtivo e digno, com políticas sociais adequadas, com ecoalfabetização, etc.

Nossos governantes precisam ver e entender que os problemas têm interdependência. E que às vezes as soluções por eles encontradas prejudicam as gerações futuras. O problema maior é o de percepção, estamos numa crise de percepção. Estamos com uma visão de mundo, de vida de natureza obsoleta. Estamos vendo a realidade de forma inadequada. E para resolver estes problemas necessitamos mudar esta percepção de nosso pensamento e dos nossos valores. Temos que perceber que as soluções viáveis são as SUSTENTÁVEIS. Sustentáveis em todas as suas dimensões:

·         Ambiental
·         Social
·         Econômica
·         Política
·         Educacional
·         Cultural

Temos que ter uma visão de mundo holística, que concebe um mundo como um todo integrado. Ver o mundo como um grande ser vivo. Onde tudo que o compõe esta interligado, interdependente. Devemos sempre nos lembrar que:
Tudo o que acontece com a terra,
Acontece com os filhos da terra.
O homem não tece a teia da vida;
Ele é apenas um fio.
Tudo o que faz à teia, ele faz a si mesmo
Esta visão pode também ser denominada de ecológica, usando este termo no sentido muito mais amplo que o empregado por muitos. Estes dois termos holístico e ecológico diferem ligeiramente em seus significados. O termo holísmo é menos adequado para a compreensão deste novo paradigma. Vejamos o seguinte exemplo:

8Numa visão holística de uma bicicleta, significa ver a mesma como um todo funcional e compreender que existe interdependência entre todas as suas partes. Já numa visão ecológica da bicicleta inclui tudo isso, mas acrescentar-lhe a percepção de como a bicicleta está encaixada no seu ambiente natural e social – de onde vem às matérias primas que entram nela, como foi fabricada, como seu uso afeta o meio ambiente natural e a comunidade pela qual é usada, e assim por diante.

3º COMO TENTAT ENTENDER O TODO
“O todo é mais que a soma de suas partes”

A este tipo de concepção chama-se de:

·         Pensamento sistêmico
·         Teoria da complexidade
·         Teoria de sistemas dinâmicos
·         Dinâmica de rede

Ou em outras palavras TEIA DA VIDA. De acordo com a visão sistêmica as propriedades essenciais de um organismo, ou sistema vivo são propriedades do todo, que nenhuma das suas partes possui. Elas surgem das interações e das relações entre as partes. E estas propriedades são destruídas quando o sistema é dividido ou dissecado.
Como exemplo podemos falar sobre o sabor do açúcar que não está presente nos átomos (carbono, hidrogênio, oxigênio) que compõem a molécula do açúcar. Esta propriedade do sabor do açúcar só aparece quando estes átomos se relacionam.
Quando dizemos que o todo é mais que a soma de suas partes estamos afirmando também a grande interdependência das coisas para formar o todo. Vejamos o seguinte exemplo: vamos relacionar vários sistemas individuais que ao mesmo tempo em que se relacionam entre si e vão formando outros sistemas mais complexos. Desse modo, as células combinam para formar os tecidos, os tecidos para formar os órgãos e os órgãos para formar os organismos. Estes por sua vez não param de se inter-relacionar entre eles próprios e o ecossistema. Com isso concluímos que, encontramos sistemas vivos aninhados dentro de outros sistemas vivos.
Em outras palavras, a teia da vida consiste em redes dentro de redes. Em cada escala, sob estreito e minucioso exame, os nodos da rede se revelam como redes menores. Tendemos a arranjar esses sistemas, todos aninhados dentro de sistemas maiores, num sistema hierárquico colocando os maiores acima dos menores, à maneira de uma pirâmide. Mas isso é uma projeção humana. Na natureza, não há acima ou abaixo, e não há hierarquias. Há somente redes aninhadas dentro de outras redes. E com isso podemos dizer que entender ecologia é entender redes.

4º TENTANDO CLAREAR
Quando vemos uma rede de relações entre folha, ramos, galhos e tronco, chamamos de árvore. Ao desenhar a figura de uma árvore, a maioria de nós não fará as raízes. No entanto, as raízes de uma árvore são com freqüência tão importantes quanto as partes que vemos. Além disso, numa floresta, as raízes de todas as árvores estão interligadas e formam uma densa rede subterrânea na qual não há fronteiras precisas entre uma árvore e outra. Em resumo o que chamamos de árvore, depende de nossas percepções. Depende de como se diz em ciência, dos  métodos de observação e de medição. Se formos fazer uma reflexão no dito acima, veremos que normalmente as nossas percepções são incompletas, precisamos de mais teias para poder compreender melhor a realidade em que vivemos.
É muito pobre manter sistemicamente um relacionamento unilateral, devemos aumentar ao máximo nossas relações e inter-relações, pois só assim criamos uma flexibilidade e uma estabilidade duradoura. Devemos melhorar e incentivar os seguintes relacionamentos:
·        Relacionamento pessoa/pessoas
·        Relacionamento pessoa/plantas
·        Relacionamento pessoa/animais
·        Relacionamento pessoa/terra
·        Relacionamento pessoa/ecossistema

Não podemos esquecer que a ciência nunca pode nos fornecer uma compreensão completa e definitiva. Sempre o real nos esconde algo mais, outras interligações ainda despercebidas. Existe um grande entrelaçamento de sistemas vivos e não vivos ao longo de toda a biosfera plantas e rochas, animais e gases atmosféricos, microorganismos e oceanos. Outra forma de notarmos as conexões é quando entendemos que misturando água e sais minerais, vindo de baixo, com luz solar e CO², vindo de cima, as plantas verdes ligam a terra e o céu.
A natureza sempre tenta nos mostrar que tudo depende de tudo, porém culturalmente não fomos preparados para perceber estas conexões. Imagine o quanto de interligações que uma árvore pode ter e fazer. Vejamos algumas:
·        Planta/sol através da fotossíntese.
·        Planta/microorganismos através da decomposição da matéria orgânica.
·        Planta/solo a necessidade de nutrientes minerais.
·        Planta/frutos alimentação para os animais racionais e irracionais.
·        Planta/respiração através da liberação de oxigênio nas trocas metabólicas.
·        Planta/madeira para confecção de móveis e outros artefatos.
·        Planta/remédio através de princípios ativos.
·        Planta/chuva cria ambiente propício.
·        Planta/temperatura, aquecimento ameno.
·        Planta/estética, embelezamento do ambiente.
·        Planta/etc.

5º SÍNTETIZANDO
Reconectar-se a teia da vida significa construir, rever o elo existente entre os sistemas vivos e não vivos. É necessário nos reeducar, e criar comunidades sustentáveis. É satisfazer nossas necessidades, sem prejudicar as chances das gerações futuras de satisfazer também o seu.
Fritoj Capra nos alerta em seu livro Teia da vida, “Precisamos perceber que ninguém apenas existe, todos inter-existem e co-existem. Sabemos que existem muitas diferenças entre comunidades ecológicas ou ecossistemas e comunidades humanas. Nos ecossistemas não existe autopercepção, nem linguagem, nem consciência e nem cultura; portanto, neles não há justiça, nem democracia; mas também não há cobiça nem desonestidade. Não podemos aprender algo sobre valores e fraquezas humanas a partir de ecossistemas. Mas o que podemos, e devemos aprender com eles é como viver de maneira sustentável”.
Os princípios básicos da ecologia são:
1.      Interdependência
2.      Reciclagem
3.      Parceria
4.      Flexibilidade
5.      Diversidade e como conseqüência a SUSTENTABILIDADE. Siga-os.

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão cientifica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix/Amaná Key, 1996.

CAPRA, F. C. et al. Alfabetização Ecológica: a educação das crianças para um mundo sustentável. São Paulo: Editora Cultrix. 2006.


[1] Francis Bacon cientista renomado do século XVII
[2] R. D. Laing psiquiatra
[3] René Descartes cientista do século XVI

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