sexta-feira, julho 8

Aumentando os Ciclos a partir dos Fluxos na propriedade rural - eco eficiência aplicada



Antonio Roberto Mendes Pereira

Em muitas propriedades rurais os desperdícios de recursos são enormes. A quantidade de recursos que a natureza nos oferta todos os dias em todos os espaços é estrondosa, mas o nosso arcabouço mental não nos permite perceber. Em algumas situações, o não uso é por falta de conhecimento, em outros, estes recursos são trocados pelo convencimento da mídia de usar os que precisam ser comprados.

Mas, independente de mídia ou não, estes recursos são produzidos permanentemente pela natureza, e vale salientar que o resíduo ou desperdício de um elemento vivo é recurso para outro ou outros. Um resíduo que não encontra seu consumidor ou sua outra utilidade ou função vira poluição ou lixo, e na natureza lixo é palavra que não existe. Esta palavra foi cunhada pelos homens, por sinal racional de pouco conhecimento, pois a partir do momento que os homens entendem um desperdício não como um recurso e sim como lixo, mostra qual a lógica que é utilizada “O da não sustentabilidade”.

Todo lixo deveria não ser chamado de lixo e sim de desperdício ou resíduo utilizando a lógica da natureza, que reaproveita tudo, e coloca novamente o desperdício no caminho de reuso, de reutilidade, na retroalimentação de outro ser ou seres. Não se perde nada, daí o pensamento de Lavoisier “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Este pensamento deveria ser de fato levado a sério nas propriedades, mas infelizmente além de não ser pouco entendido e não aceito por muitos é ignorado em todos os sentidos. Quando se estuda ecologia ou a disciplina meio ambiente aprende-se que a natureza utiliza permanentemente a estratégia ou o padrão de ciclar tudo que já foi utilizado. Não é a toa que existem os ciclos da natureza. Entre os mais importantes e conhecidos estão o da Água, do Carbono e do Nitrogênio, sendo que a Cadeia Alimentar pode ser entendida como um Ciclo de Energia.



A vida na terra se desenvolve permanentemente através de uma reciclagem constante. Os elementos são continuamente recriados a partir dos átomos que circulam em cadeias biogeoquímicas. Morte, destruição e decomposição são partes de um ciclo que possibilita novas estruturações vivas e não vivas.

Podemos comparar esta lógica natural com um jogo infantil conhecido como “lego”, onde existem centenas de peças de encaixe de cores e tamanhos diferentes, estas peças podem ser conectadas com várias outros,  criando as mais diferentes formas e objetos. Pode-se montar desde uma mesa até um avião, o que vale é a criatividade. A comparação que quero fazer é como se cada peça do lego fosse um átomo ou uma célula que podemos juntar formando novos elementos (seres) a partir da montagem e remontagem.


E não podemos esquecer que quanto mais peças tivermos dentro das propriedades, mais possibilidades têm de criar e recriar outras formas vivas. Sabemos que toda comparação não é completa, não abrange tudo que se quer ensinar ou passar. É meramente uma explicação com apelo didático para se fazer entender. Agora imagine a quantidade de peças que você pode ter dentro da sua propriedade, a partir da quantidade diversificada de plantas (biomassa), e dos mais variados tipos de animais e microorganismos, e da água que se tem. Imaginem como acoplar tudo isto criando estruturas cíclicas onde o desperdício de um, é elemento para complemento de outro. A quantidade total de matéria do mundo é constante e passa por ciclos através dos organismos vivos, e este ciclo da matéria é movido pelo sol e facilitado pelo fluxo de energia. Esta operacionalização é permanente.

A própria permacultura é a arte de conectar os elementos, e esta conexão pode ser e acontecer em vários níveis. Desde as mais simples até as mais complexas conexões. Pode ser uma conexão simples de elementos como também conexão entre substâncias que compõe os elementos de forma mais complexa. Os níveis podem ser os mais variados. A riqueza destas combinações enriquece os ambientes, tornando-os mais estáveis e sustentáveis.

Os ciclos como podem ser chamados estas conexões, podem ser visto como oportunidades de aumentar a sustentabilidade dos ambientes cultivados. Esta sustentabilidade pode acontecer através do aumento da produção e da produtividade dos elementos que compõe estas combinações. Logo, conectar-se é o primeiro passo para compor um ciclo mais local.  Os ciclos nos remetem a um:
·         Raciocínio de aumento de produtividade;
·         De eco eficiência
·         De aumento de etapas;
·         De mais degraus;
·         De quanto mais lento mais produtivo

Como exemplo pode-se frisar: o ciclo da água, onde quanto mais lento ele acontecer, mais produtiva esta água pode ser dentro de uma propriedade. Ela pode ser reutilizada várias vezes, em várias atividades distintas. A mesma água que cria peixe depois de fertilizada pode servir para adubar a horta que vai produzir alimento para alimentar... E assim sucessivamente.

Toda propriedade permite a entrada de vários elementos e energia, que na maioria entra na forma de fluxo, e que precisa rapidamente ser captada e acoplada e integrada a ciclos. Quanto mais nicho de ciclos consegue-se fazer internamente em uma propriedade mais o sistema torna-se sustentável. Mas, por incrível que pareça os fluxos de matéria e energia entram nas propriedades e poucos são acoplados em ciclos.

Entram e saem da mesma forma que entraram e às vezes até levando os nutrientes e energia por onde passou.

Um sistema sustentável é aquele que durante sua existência ele consegue armazenar, conservar ou gerar mais energia do que aquela que foi necessária para seu estabelecimento e manutenção.

AUMENTANDO AS ESTRATÉGIAS PARA QUE OS CICLOS ACONTEÇAM

1.      Para facilitar que estas combinações cíclicas possam acontecer podemos fazer mão de um dos princípios de design da Permacultura: Localização relativa, onde o lugar que vamos dispor aquele elemento deverá gerar ao máximo possível de conexões com os demais elementos. Um elemento é considerado que estar bem localizado quando ele consegue ter o máximo de relações com os demais elementos que compõe o sistema. A simples troca de lugar de um elemento pode aumentar consideravelmente o numero de relações. Logo, os elementos vivos não podem ser estáticos;

2.     A reciclagem de toda matéria orgânica é uma ótima estratégia de acoplar elementos de fluxos em ciclos. Antes de decidir como vai se reciclar a matéria orgânica que se tem disponível, é bom verificar onde mais ciclos podem ser criados a partir do seu uso. Como exemplo, fazer um composto ou fazer uma cobertura morta (mulching), quando se estuda qual o caminho que pode gerar mais ciclos ou oportunidades de ciclos neste exemplo, verá que: se optar pelo composto só terá adubo, que poderá alimentar várias plantas; se optar pela cobertura morta terá um ciclo bem maior com um menor uso de energia, pois primeiro não precisarei fazer o composto e segundo são os serviços ambientais que esta prática pode me ajudar como:

·         Evita o nascimento de muitas ervas;
·         Diminui a evaporação de água e conseqüentemente o ressecamento do solo;
·         Depois de decomposto servirá de adubo natural para qualquer planta;
·       Evita erosão, pois diminui e até evita o escorrimento de água de chuva.

Outro exemplo para aumentar a compreensão: O que fazer com os restos de comida? Fazer composto ou dá aos porcos? Com certeza complementando a alimentação dos porcos vou ter um maior numero de estágios cíclicos que vão se acoplar em um nicho fechado. Lógica cíclica - O porco come as sobras de alimento, gerando esterco, que pode ser colocado em um biodigestor, que vai gerar gás, que servirá para cozinhar, iluminar e com os resíduos deste biodigestor que é biofertilizante, poderei fertilizar outras plantas que vão produzir alimento, onde parte deste será consumida pela minha família e os resíduos vão poder novamente alimentar os porcos ou outros animais, reiniciando um novo ciclo. E se formos espertos poderemos selecionar e separar os resíduos dos alimentos, pois nem todo resto de alimento é consumido pelo porco, logo terei outra sobra que poderá ser compostada. Assim, observe a quantidade de caminhos possíveis que se pode criar com uma sobra de alimentos, isto é transformar um fluxo em vários ciclos;

3.   Tente identificar na sua propriedade recursos que além da sua disponibilidade, o uso deles favoreça o aumento deste recurso. Como exemplo, podemos frisar alguns: bambu, quanto mais eu colho mais a touceira produz bambu novo. Com as pastagens poderemos utilizar a mesma lógica. O uso dos animais na reprodução também é um recurso que quanto mais se usa, mais aumenta. Com a identificação e uso destes recursos poderemos aumentar o numero de ciclos, pois temos uma fonte permanente de biomassa e de animais novos. Podemos aplicar esta mesma lógica para as informações e conhecimentos que quanto mais se tem mais facilidade na tomada de decisão. Além desta característica do primeiro recurso (aumentar com uso), podemos ainda incluir nesta listagem recursos que não são afetados pelo uso como exemplo: sol, cata-vento, etc. e também podemos agregar a esta lista os recursos que, se não usados se perde como exemplo: sol, frutas madura etc;

4.  Faça uma lista de todos os elementos vivos (horta, pomar, água, animais, pastagens) e não vivos (edificações e tecnologias) que compõe seu ecossistema cultivado, e logo após, promova uma assembléia destes elementos, identificando ações para conectá-los. Por exemplo, como conectar as galinhas a horta ou ao pasto e a água?  E assim haja com os demais elementos, todos devem encontrar sua cara metade, isto é um correspondente de combinação. Para facilitar a montagem deste esquema estratégico pode-se fazer o seguinte:

Escolha um elemento vivo, por exemplo, a galinha e agora responda as seguintes perguntas anotando as respostas. Com certeza sabemos muita coisa sobre a galinha, pois ela esta conosco a muito tempo, a sua domestificação já tem mais de 10000 anos. Então responda: Quais as necessidades das galinhas? Qual será a função da galinha no ecossistema? E qual a produção desta galinha neste agroecossistema? Vejamos a seguinte listagem de possíveis respostas:

NECESSIDADE
FUNÇÃO
PRODUÇÃO
Água
Controlar insetos.
Ovos
Luz (produção de ovos)
Criar seus descendentes (pintos).
Carne
Abrigo (proteção)
Diminuir e controlar algumas ervas.
Penas
Espaço (movimentação)
Despertador biológico.
Metano
Companhia (reprodução)
Espanta cobras.
Calor
Areia para digeri alimentos
Limpam o ambiente.
Gordura
Dormir no alto (poleiro)
Dependendo da quantidade aumentam a temperatura dos espaços.
Ossos
Alimento – verde, grãos e insetos
Embelezar o ambiente e contribuir na reciclagem de elementos.
Esterco
Ciscar
Diversificar as oportunidades de comida na propriedade
Pintos

Depois que analiso os elementos, pergunto: como conectar este elemento com os outros? Como atender as necessidades da galinha a partir do que tenho disponível? A necessidade atendida de um deve ser o produto de outro. Quando estas necessidades não são atendidas, preciso introduzir outro elemento neste sistema. E não posso esquecer que quando não tenho um uso de um produto que não foi conectado ele vira lixo, poluição no sistema. Logo, venho insistindo nesta frase “Quanto mais conexões cíclicas vão sendo montada mais sustentabilidade vai ter meu agroecossistema”. Vale apena frisar que estas conexões apresentadas anteriormente são as mais fáceis de perceber, mas existe um numero ilimitado de conexões ocultas, que não são percebidas, mas que estão acontecendo concomitantemente. Mesmo que não se perceba é bom saber que elas estão acontecendo.


Devemos criar estratégias para acontecer assembléias de elementos que pretende introduzir ou conectar com os demais elementos.
Os elos de conexões para operacionalização da assembléia de elementos são:

·         Energia
·         Nutrientes
·         Água
·         Alimento

Identifique quem mais recebe as setas dos elos das conexões e quem menos recebe, se houver elemento que não doa e nem recebe, este pode estar sendo um problema no sistema, pois seus resíduos não estão sendo utilizados pelos demais e suas necessidades poderão também não estar sendo atendidas, logo existe poluição e não desenvolvimento do elemento. Precisa-se imediatamente retirar este elemento do sistema ou introduzir outro(s) elemento que crie conexões com ele e com os demais. Quanto mais diversidade de elementos existirem na propriedade maior é a probabilidade de aumento de conexões cíclicas, aumentando como já frisado a sustentabilidade do ambiente e da atividade. Não podemos esquecer que o padrão da natureza é de REDE, e as redes são grandes arrumações de ciclos interligados. Um ciclo dentro do outro indefinidamente para o micro e para o macro;

5.      Outro princípio seguido pelos Praticantes da Permacultura, e que pode contribuir para aumentar os ciclos na propriedade é o seguinte: Cada elemento no ecossistema deverá cumprir mais de uma função ou no mínimo um número não inferior a dois;


6.  E a partir deste podemos pensar e agir tentando identificar e aumentar o número de elementos reconhecendo e listando as possíveis funções que este elemento deve estar executando no agroecossistema. Quanto maior o número de funções mais combinações podem ser realizadas. Como exemplo, podemos frisar: uma galinha poderá exercer várias funções como exposta anteriormente, desde o controle de insetos até controlar as ervas. Agora faça uma lista de elementos não vivos para que eles possam também ser conectados aos elementos vivos contribuindo para criar micro climas e espaços que ajudem a diversificar e aumentar o número de vida nos ambientes.

Outros exemplos podem ser montados a partir também de elementos não vivos presentes nas propriedades, que poderá ajudar ainda mais a esclarecer, só que agora com um elemento não vivo.
Em um prego podemos identificar várias funções como: pregar, furar, riscar, pendurar. Se por acaso tenho identificado estas funções significa que tenho ao meu dispor todas elas para qualquer eventualidade;


7.    Para que as plantas possam se desenvolver satisfatoriamente bem, os nutrientes deve estar numa correlação muito equilibrada, pois se aumentamos um deles poderemos desbalancear outros, diminuindo desta forma o numero de ciclos que poderiam acontecer. Como exemplo, podemos frisar um aumento exagerado de nitrogênio desbalanceia o nível e a disponibilidade de cobre na planta. Uma relação perfeita também do carbono/nitrogênio contribui enormemente para o aumento do número de ciclos que influenciam diretamente na produção e na produtividade dos espaços cultivados;

8.    Reestruture seu agroecossistema cultivado para que o seguinte estoque de futuro esteja garantido por várias gerações. Estes estoques são as chaves básicas para que uma rede de ciclos seja iniciada e possam ir sendo incorporados e acopladas em ciclos cada vez maiores, aumentando a sustentabilidade do ambiente. São eles:

·  O primeiro estoque que precisamos acumular é conhecimento, principalmente sobre sistemas vivos e sua organização. Este é um grande estoque para o futuro, que precisa ser ciclado com outros companheiros.
·       Solos férteis com alto teor de matéria orgânica sendo transformada em húmus;
·    Sistemas de vegetação perene ou permanente, especialmente árvores, produção de alimentos e outros recursos úteis;
·         Corpos e tanque de armazenamento de água em todos os espaços;
·         Edificações com utilização passiva ou até completa da energia solar.

Como vemos a necessidade de ciclar as entradas e os resíduos deve ser uma constante no planejar, no executar, no gerenciar, no repensar, no divulgar. Todos estes verbos são de ações, sem elas não se cria uma cultura de transformação. Por pequena que seja a propriedade ou o espaço utilizado para produção que possamos aplicar ao máximo as idéias para que aumente as conexões cíclicas. E lembrem-se tudo deve estar conectado a tudo. E como dever de casa tente responder a seguinte pergunta tentando comprovar suas aprendizagens a partir do texto:

·         Quantas conexões estão acontecendo nesta imagem abaixo?
·         Monte o ciclo que está presente no agroecossistema.
·         Sente falta de algum elemento para aumentar o ciclo?


Pratique este exercício em várias paisagens para se aperfeiçoar na visão de identificar e entender as possíveis conexões explicita e ocultas que a natureza pratica em todos os espaços.

05 de julho de 2011

2 comentários:

  1. Muito bom! Parabéns por mais este ótimo texto.

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  2. despertar essa visão dos ciclos e consumo consciente ajuda a equilibrar os danos ao meio ambiente,contanto que os seres humanos ponham em pratica todos esses conhecimentos!!!

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