Antônio Roberto Mendes Pereira
Um dos grandes problemas para que aconteça a predominância das
agriculturas de base ecológica, é a não garantia do sucesso da lavoura, causada
pelo ataque de pragas e enfermidades, diminuindo os resultados produtivos. Esta
é uma das grandes alegações, servindo também de argumentos freqüentes das
multinacionais e dos venenistas profissionais que só conseguem se sentir seguros
na sua orientação, quando estimula a compra dos mais diversos insumos químicos
na tentativa de garantir uma produção de alimento.
Em muitos momentos me pergunto como associar veneno e alimento? Não
vejo nem de longe parceria, conexão ou qualquer outra forma onde possa
acontecer tal combinação. Não consigo entender como os seres humanos com tanta
racionalidade conseguem aceitar usar agrotóxicos no alimento que sua família
vai comer. Mas, em defesa desta forma de fazer ou praticar agricultura, a mídia
e muitas entidades de pesquisa dedicam tempo e dinheiro para descobrir formas
de defender os cultivos através de uso
de insumos químicos. E pouco, ou quase nenhum tempo é dedicado para a pesquisa
de encontrar formas naturais, sanas, sadias de produzir alimento sem ter que
usar esta parafernália de insumos químicos, antinaturais que causam
desequilíbrios e risco para quem desse alimento aplica e come.
O grande argumento de defesa do uso dos agrotóxicos é a presença dos
insetos e das doenças nos cultivos. Mas da mesma forma que se vê as ervas e lhe
taxam de ervas daninhas, usam-se a mesma lógica para os insetos, ao vê-los,
taxam os insetos de pragas. Esquecendo que são os homens que elegem os mesmos a
se tornar pragas, através dos desequilíbrios causados pelo sistema de produção
utilizado. A natureza que podia nos dá tudo de graça e de forma permanente é
transformada numa atividade quase que totalmente antinatural, que produz comida
nutricionalmente pobre, e desequilibradas, porém de aparência bonita. O sistema
capitalista já percebeu que boa parte dos humanos come, compra e vive de
aparências. Logo, quanto mais fabrico elementos bonitos, mas tem gente querendo
comprar, comer, ouvir, vestir e se acha que é moderno, atual e até em alguns
casos sofisticado. Coloco a expressão “fabrico” como forma de elucidar a
prepotência de querer ter todo o domínio sobre a natureza. É como se a natureza
não fizesse nada, tudo quem decide e quem manda produzir são as ações
interesseiras do ser humano.
No SERTA (Serviço de Tecnologia Alternativa), entidade que trabalho
recebe-se anualmente uma grande quantidade de visitantes, sendo a maioria delas
profissionais das ciências agrárias. Percebe-se que muitos sempre estão em
busca “Do como fazer”, e poucos são
os que se interessam em saber “O porquê
fazer”. Para mim o porquê fazer, transcende o como fazer, pois sabendo os
princípios filosóficos ligados a produção, torna-se mais fácil decidir o como
fazer, e quais serão as tecnologias que irei criar adaptar ou até copiar.
Como fazer para mudar esta mentalidade para que possamos fazer uma
agricultura centrada em princípios agroecológicos, onde a pesquisa dedica tempo
para encontrar formas de imitar ao máximo a natureza? A intenção é chegar o mais
próximo das formas naturais de produzir alimento, com o menos de impacto possível.
A natureza alimenta todos e tudo, sem causar desequilíbrio, sem trazer nada de
fora, já o homem é de um egoísmo profundo, que além de não pensar na sua
espécie, repugna qualquer outro ser ou espécie que dispute com ele o mesmo
espaço e a mesma comida.
Diante destes fatos este novo texto tenta trazer a tona, maneiras
menos agressivas de produzir alimento. Criando espaços onde todos possam
encontrar parte de seu alimento, sem tirar o espaço dos demais, de
encontrar seu alimento. A tentativa é a
operacionalização da própria Permacultura onde a intenção maior é criar um
espaço mais sustentável, para o homem e para todos os elementos vivos que
compõe o agroecossistema.
No primeiro momento vou tentar pontuar quais são as causas mais
normais que fazem com que muitos insetos sejam transformados em pragas, e
porque muitas plantas chegam a adoecer.
CAUSAS
PROVÁVEIS DO SURGIMENTO DE PRAGAS E ENFERMIDADES NOS CULTIVOS
O entendimento da teoria dos sistemas vai ser a base para a
compreensão mais profunda do que precisa ser feito para que os insetos
permaneçam sendo insetos, não sendo submetido a categoria de pragas. O
desequilíbrio gerado nos agroecossistemas é com certeza uma das mais sérias
causas dos desequilíbrios que tornam os espaços produtivos improdutivos para
sustentar os seres que desse agroecossistema necessita se alimentar, ou melhor,
sobreviver.
A
NECESSIDADE DO PENSAMENTO SISTÊMICO
É uma forma de vê não só as partes, mas vê as partes a partir do
todo. É buscar entender o que acontece ao todo, quando se mexe em uma das
partes. Não podemos esquecer que os sistemas vivos são totalidades integradas,
cujas propriedades não podem ser meramente reduzidas às partes menores. Não dá
para monoculturar os espaços produtivos. Não dá
para reduzir um agroecossistema a um amontoado de plantas da mesma espécie, de
forma ordenada, em linhas, e alimentadas por fertilizantes inorgânicos a partir
de analise das necessidades detectadas nos laboratórios da carência do mineral
A ou B não do solo, mas da necessidade da cultura que se quer implantar. É
trocar relações do todo para beneficiar um só. É reduzir o todo a uma parte, a
um pedaço. O que faz um avião voar, não é suas partes separadas, isoladas, mas
a relação sistêmica entre todas as partes para com o todo. As propriedades do
todo, nenhuma parte por si só possui. Toda vez que se disseca, ou melhor,
quando se separa as partes se perde as propriedades sistêmicas do todo,
deixa-se de ter o todo e agora é pedaço, é parte.
Todo processo atual utilizado na agricultura moderna é mecanicista,
isto é, observa e dão mais valor as partes do que ao todo. Precisamos fazer com
que este pensamento mecanicista mude
para um pensamento sistêmico. É preciso fazer com que as pessoas ao escolher ou
tomar qualquer decisão na propriedade, veja e entenda ela com este pensamento,
pois um erro pode reduzir o todo a partes, a pedaço, comprometendo todo o
resultado do sistema em prol de um resultado positivo na colheita de uma
determinada cultura. Como diz Fritjof Capra, 1996 em seu livro a teia da vida,
“O pensamento sistêmico é pensamento ambientalista”, e para um ambientalista as
relações são fundamentais.
Para entendermos melhor, podemos utilizar a seguinte comparação:
quando vemos uma rede de relações entre folhas, ramos, galhos, raízes e
troncos, chamamos isto de árvore. Este arquétipo já esta consolidado no nosso
subconsciente, logo, mesmo sem vermos as raízes sabemos que elas existem e que
são fundamentais.
Os agricultores ao fazerem uma capina ou até mesmo um xaxo
como é usualmente utilizado aqui no nordeste (fofar ao redor da planta), ele
sempre está preocupado para não cortar nem danificar as raízes da cultura. Ao
se pedir para alguém desenhar uma planta sempre se desenha sem se vê as raízes,
mas quando indagado sobre as raízes, todos dizem que ela está dentro do solo. Não
podemos esquecer também que em uma floresta as raízes diversas se conectam
beneficiando todo o sistema.
Este padrão sistêmico de
planta todos nós entendemos, mas precisamos aumentar este conhecimento,
precisamos aumentar esta visão para ambientes maiores como, por exemplo, a uma propriedade
como um todo. Como vê as relações que acontecem em uma propriedade?
Não entender esse pensamento significa contribuir enormemente para
o aparecimento das pragas e doenças nas plantas cultivadas ou não. Este
surgimento é uma prova inconteste de que o sistema ou o manejo que estamos dando
ao nosso agroecossistema está errado, estamos pecando, estamos dividindo o todo
em muitas partes, que isoladas do todo ficam vulneráveis a estes acontecimentos
inesperados e indesejáveis.
ENTENDENDO
OS INSETOS
Como diz Francis Chaboussou, 1987 em seu livro Plantas Doentes
Pelo Uso Dos Agrotóxicos (A teoria da Trofobiose), “de fato, se os organismos
daninhos que em nossas lavouras e criações tanto nos incomodam fossem como nos
são apresentados por aqueles que os querem erradicar ou nos oferecem venenos
para seu combate, se realmente fossem inimigos arbitrários, capazes de acabar
com populações inteiras de seus hospedeiros, se assim fossem, já não haveria
vida neste planeta. Qual a planta ou
animal que não tem parasitas?”
Outro argumento que não procede em relação aos insetos é de que o
problema está na monocultura, por mais que seja indesejável por razões sociais,
econômicas e até ambientais. Insetos, fungos e bactérias têm uma fantástica
capacidade de difusão e proliferação, quando precisam ou querem alcançam
qualquer planta em qualquer lugar. Encontrando condições propícias
multiplicam-se rapidamente e em quantidade.
É bom lembrar que existem monoculturas naturais, certos complexos de
plantas aquáticas, como juncos, os próprios manguezais, etc. Estas monoculturas
já sobrevivem a milhões de anos, e é raro algum ataque de pragas ou doenças.
Outra pergunta que nos deixa curioso para saber a resposta é: Porque as formigas
saúvas não atacam os bosques naturais? Mesmo estando ausentes seus inimigos
naturais?
Todos aqueles que praticam uma agricultura limpa ou biológica
sabem que a maneira mais factível de se prevenir de ataques de pragas e doenças
é um bom manejo do solo, através de práticas que permitam que a planta encontre
suas necessidades atendidas para se desenvolver naturalmente. Para estes, os
insetos são indicadores biológicos de manejo errado. É um sinal amarelo de
atenção e se insistirmos em continuar errando o sinal passa a vermelho,
causando prejuízos inesperados. Sinais como solo sem vida, esgotado, adubações
erradas e desbalanceadas, cultivares inadequadas para a região, problema de
alopatia entre plantas, e até intoxicação por pesticidas, são normalmente
indicadores ou causas do ataque destes insetos ou microorganismos indesejáveis.
A teoria apresentada por Chaboussou é conhecida como Teoria da
Trofobiose, onde ela nos diz o seguinte: ela mostra que a sustentabilidade da planta
ao ataque de pragas é uma questão de nutrição ou intoxicação. Uma planta
equilibrada, que se encontra em pleno desenvolvimento vigoroso não é nutritiva
para os parasitas. Este carece da capacidade de fazer proteólise (quebra das
proteínas). Não tem condições de decompor proteínas estranhas. Necessita,
portanto, encontrar na planta hospedeira alimento solúvel, em forma de
aminoácidos insolúveis. Isto acontece quando a inibição na proteossíntese
(formação de proteínas) ou quando há excesso de produção de aminoácidos. A
inibição da proteossíntese pode ser conseqüência do uso de agrotóxicos ou de
desequilíbrio nutricional da planta.
Em planta equilibrada a praga não têm vez, esta afirmação é muito
coerente e sábia de se dizer, pois se percebe que em solos bem equilibrados a
presença de pragas é remota, pode até existir insetos, mas que a quantidade
existente não causa prejuízos que venham a comprometer os rendimentos da cultura.
É muito comum em solos doentes, cansados de uso mesmo com aplicações maciças de
adubos a presença de pragas é insistente, mesmo depois de aplicações repetidas
de agrotóxicos, a praga ressurge sempre e em muitos casos mais forte e
resistente.
LIÇÕES QUE PRECISAMOS ENTENDER E APLICAR
Para defender, Proteger e equilibrar.
Estudar o
ambiente onde se encontra o problema faz parte da compreensão do que está
ocorrendo. Analisando as possíveis causas que podem ter contribuído para o
aparecimento dos parasitas, deve ser uma das primeiras medidas a ser tomada.
Busque entender as relações que estão acontecendo, ou até a falta destas
conexões, pois normalmente esta ausência de conexões leva ao aparecimento
demasiado de problemas com insetos ou outros elementos.
Também não
podemos esquecer que nem todos os insetos causam danos nas culturas. Os insetos
fazem parte do ambiente e também precisam se alimentar. Somente uma visão
simplista e desprovida de sensibilidade é que não entende este processo. Por
incrível que possa parecer o comportamento humano age da seguinte maneira; ao
ver o inseto rapidamente cria-se a necessidade de usar o veneno. É como se
quisesse ter um ambiente estéril, sem qualquer outra espécie de vida além da
sua. Durante nossa vida, vez em quando adoecemos, e nem sempre precisamos tomar
medicamentos. O nosso corpo providencia uma resistência e em breve o
restabelecimento acontece. Mas, parece que com as plantas o processo é
diferente, imediatamente ao encontrar alguns insetos nas plantas cultivadas busca-se
usar agrotóxicos os mais variados, nem espera para ver se as plantas conseguem
por si só resolver o problema. Diante de todas estas argumentações precisam-se
seguir algumas lições. Vejamos algumas:
1.
A primeira lição que precisamos colocar em
prática é conectar ao máximo tudo e todos que compõe ou que vão compor o
agroecossistema que vamos montar;
2. Entender como os insetos e microorganismos
alimentam-se é também crucial. Como vimos anteriormente os insetos só conseguem
agir quando algo esta desequilibrado no manejo do solo. Na natureza tudo e
todos estão sob o controle natural, inclusive os seres humanos também estão
submetidos a este controle;
3. A rotação de cultura é outra estratégia que
podemos utilizar e que tem efeitos positivos em curto espaço de tempo. A
rotação não permite que estes parasitas tornem-se repetitivos além de quebrar o
ciclo da resistência, isto é, muitos parasitas tornam-se a cada geração mais
resistente aos defensivos que se utilizam;
4. A
diversidade dos cultivos na mesma área é outra estratégia que pode ser
utilizada e que só traz benefícios a quem utiliza. Na natureza por menor que
seja a área procede a diversificação do espaço. Esta misturada de plantas
diminui a ação dos insetos ao perceber que não existe uma quantidade grande
daquela espécie que ele gosta de se alimentar;
5. A
camuflagem é mais uma estratégia que quando imitada pode também gerar grandes
benefícios ao produtor. A natureza tenta permanentemente camuflar os elementos
da predação. Logo, a mistura pode ser encarada como uma estratégia de camuflar
as plantas cultivadas. A imagem ao lado mostra um pé de beterraba no meio de
outras ervas;

6. Estimular o controle biológico com certeza é
outra grande medida. Este estímulo acontece quando o ambiente é diverso, e
todos os outros componentes que fazem ou que vão fazer parte encontram suas
necessidades atendidas. Necessidades como alimento, água e nutrientes precisam
ser atendidas para que os elementos possam se desenvolver satisfatoriamente;
7.
A presença de plantas aromáticas em muitos
casos consegue afastar algumas espécies de insetos das plantas cultivadas. Este
tipo de procedimento se adéqua muito bem as hortas e jardins;
8. O controle manual também pode ser uma maneira
de controlar alguns parasitas das plantas cultivadas. Lembre-se a função é
controlar e não exterminar todos os insetos. A presença de alguns insetos
contribui para o aparecimento dos seus controladores naturais;
9.
Não force a natureza das plantas, isto é,
querer produzir tomate durante todos os meses do ano é ir de encontro a
natureza da planta. O tomate tem preferências por determinados período do ano,
logo precisa ser respeitados estas tendências naturais. Muitos cultivos são de
ciclos ou safras, como já conhecemos. A natureza é sábia quando nos presenteia
durante certo momento do ano com suas dádivas alimentícias. O homem quando
força plantar durante todas as estações do ano induz de forma direta o
aparecimento de parasitas que vão se tornar pragas.
Lembre-se
antes de tomar qualquer medida, primeiro tente identificar as possíveis causas
daquele surto de pragas ou doenças. De outra forma, se tentamos corrigir os
erros atacando meramente os sintomas vamos contribuir para outras infestações
mais adiante. E com certeza esta re-infestação será mais violenta e de mais
difícil controle.
“O grande erro da terapêutica moderna foi
estudar a doença sem se preocupar com o terreno que ela evolui”
Dr. Albert Leprince
Na Permacultura precisamos evitar tal erro.
Toda circunstância desfavorável ao pleno desenvolvimento da
planta, tende a provocar o aparecimento de parasitas querendo se alimentar
desta grande sopa solúvel de aminoácidos livres na circulação das plantas através
da sua seiva. Esta circunstância desfavorável quebra a resistência da planta.
Logo podemos afirmar que:
·
Solo compactado;
·
Excesso de umidade;
·
Escassez de umidade;
·
Altas temperaturas no solo;
·
Solo exposto e desprotegido;
·
Fertilização desbalanceada;
·
Plantas exóticas ao ambiente; e
·
Traumatismos nas plantas como poda,
desgalhamento.
Todas estas circunstâncias desfavoráveis devem ser evitadas e
corrigidas para que o equilíbrio retorne ao ambiente. O quadro abaixo tenta nos
demonstrar o quanto um único fator pode influenciar em muitos outros,
contribuindo de forma direta e indireta para o aparecimento de pragas e
enfermidades.
E não se esqueça da seguinte frase:
“É
através dos fenômenos de nutrição que podemos atingir os organismos vivos”
Claude Bernard
16 de
junho de 2011
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Chaboussou, Francis – Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos: a
teoria da trofobiose; tradução de Maria José Guazzelli. – Porto Alegre :
L&PM,1987.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão
cientifica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix/Amaná Key, 1996.
Primavesi, Ana. Manejo ecológico do solo : a agricultura em
regiões tropicais – São Paulo : Nobel
muito bom
ResponderExcluirParabens um dos melhores sites que já visitei !
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