Comprovando as
competências produtivas
Antônio Roberto Mendes
Pereira
A agricultura familiar cada vez mais
vem perdendo a lógica ancestral de primeiro produzir seu alimento, seu
sustento. A lógica capitalista de transformar os sítios, as pequenas
propriedades em agronegócios tendo como carro chefe a monocultura, fez e vem fazendo
com que as famílias percam sua diversidade de plantas e animais levando a mesma
a uma alimentação deficiente e de pouca variedade, além da perca da qualidade
biológica e nutricional dos produtos. Com toda esta lógica sendo aceita pelas
pequenas propriedades as famílias se tornam reféns dos mercados de venda e de
compra. Precisa-se resgatar a LÓGICA do sitio onde se produzia quase tudo que a
família consumia. A diversidade é sinal de segurança para o não faltar, para o
“ter” sempre. É claro que esta garantia só se tem quando se planeja, quando se
reflete o que realmente se precisa para ter uma mesa farta e diversificada o
ano inteiro. Precisam-se remontar estas áreas de segurança alimentar com o
seguinte slogan de pensamento “Na zona 01 e 02
tudo se planta, nada se vende tudo se consome”. A escala humana de
fazer de planejar a agricultura no entorno da casa que possa trazer uma
produção permanente de alimentos para a família é o enfoque principal deste
trabalho de pesquisa e divulgação.
 |
Gôndola natural de tubérculos e hortaliças |
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Gôndolas Naturais de frutas |
Quando se
fala em produção, produtividade vem logo nas cabeças de vários agricultores:
tratores, adubos, monocultivo, caminhões entre outros insumos e maquinários. E
todos estes insumos e maquinários invariavelmente demandam crédito,
endividamentos. Normalmente sempre se busca ajudas de fora da propriedade para
poder equipar-se para prover esta produção. E vale salientar que para se
conseguir crédito não é tão fácil quanto os bancos costuma divulgar nos seus anúncios
comerciais. Muitos produtores perdem muito tempo e dinheiro indo e vindo aos
bancos para atender as demandas de documentações, comprovações, atestado
negativos disso e daquilo. Como diminuir estas dependências é também mais um
dos caminhos pedagógicos deste texto.
Com a
finalidade de demonstrar que os agricultores realmente podem diminuir a sua
dependência de ajudas externas é necessário primeiramente corrigir muitos erros
que são cometidos e que muitas vezes são eles próprios os causadores de muito
dos seus problemas internos produtivos. No mundo moderno para se conseguir
êxito econômico depende muito mais de conhecimentos adequados do que de recursos
financeiros abundantes, Polán Lacki ( 1996).
Em algumas
propriedades percebem-se claramente que muitas delas não conseguem nem produzir
suas necessidades alimentares. Para completar sua dieta é necessário se
deslocar para os centros comerciais e comprar todo o complemento, quando se tem
os recursos econômicos disponíveis é claro. É comum o pensamento de que
aumentando a área plantada vai se conseguir a complementação tanto econômica
como a alimentar. E as coisas não acontecem bem assim, o mercado não segue esta
lógica e não esta preocupado em resolver estes tipos de problemas internos das
propriedades. O mercado é ganancioso e autoritário, quer tudo para ele e para
que isto ocorra passa por cima das pessoas, das dietas, do meio ambiente, etc.
Ele dita as ordens de suas demandas e quem não se molda aos padrões esta fora,
são excluídos do sistema e em muitos casos alguns vão parar na prisão, perdendo
até seus bens e meios de produção.
Que
direcionamentos e atitudes podemos assumir para reverter ou minimizar este
quadro? A idéia é produzir e repassar conhecimento de como capacitar pessoas
para a competência de ser fazendeiro de 1000 metros quadrados. Poder aprender a
gerir um pequeno espaço e a partir dele ir aumentando o uso de outros espaços
de forma competente e produtiva. A otimização dos espaços é mais importante do
que o maximizar logo, a idéia central para reverter este quadro passa
necessariamente por esta otimização.
PASSOS PARA A ADEQUAÇÃO DA OTIMIZAÇÃO
DOS ESPAÇOS PRODUTIVOS
1. O conhecer bem suas necessidades deve
ser um dos primeiros passos para iniciar o processo, pois é a partir deste
levantamento que vamos conhecer as quantidades e a diversidade de tipos
necessários para saciar nossas vontades e demandas. O passo um é conhecer a
dieta o cardápio utilizado pela família. Operacionalize esta dieta tento como
base de cálculo as necessidades de uma pessoa. Lembre-se que a demanda de kcal
por pessoa é de aproximadamente de 2400 kcal/dia.
2. Distinguir as sazonalidades de cada
produto (meses que ocorrem as safras). Este conhecimento é de suma importância,
pois é a partir deste levantamento é que vamos saber como compor um cardápio
levando em consideração os ciclos produtivos de cada produto não indo de
encontro aos períodos não propícios. Períodos em que a natureza não permite sua
produção.
3. Conhecer a longevidade dos produtos
(tempo de vida mais longa que o comum de um vegetal ou animal) também é um dado
importante, pois é partir desta informação que vamos fazer os cálculos da
projeção temporal de cada produto no planejamento produtivo. Conhecendo-se as
longevidades aproximadas dos produtos poderemos planejar um empilhamento de
plantas e de tempo.
4. Escolher as variedades adequadas e
ambientadas para o clima local, não se esquecendo de observar nas escolhas qual
a estação climatológica daquela variedade escolhida. Esta observação evita que
não se plante variedades de estação diferentes, como exemplo, existe variedades
de alface de verão e de inverno e assim sucessivamente com outras culturas. A escolha
da variedade deve levar em consideração a estação, a situação de fertilidade do
solo e a cultura alimentar da região.
5. Conhecer a produtividade média de
cada produto naquele ambiente, isto é na sua comunidade ou propriedade, para
que não se faça projeções produtivas inalcançáveis. Ter números reais nos
permite acertos nos resultados dos planejamentos. O quanto mais local for os
números melhor. A unidade produtiva para ser utilizada deve ser kg por metro
quadrado e não toneladas por hectare. É mais real e mais fácil fazer este
levantamento na propriedade. Observe tabela com dados aproximados:
Indicadores
Técnicos quantitativos para a ZONA 1 das principais culturas agrícolas por
metro quadrado
Principais Culturas agrícolas
|
Rendimento estimado anual por hectare
|
Produção estimada por M2
Anual por safra
|
Consumo per capita por pessoa por ano
(52 semanas)
|
Quantidade em metros quadrados per capita por pessoa ano
|
NECESSIDADE DE ÁRÉA POR FAMÍLIA
05 PESSOAS
|
Feijão mulatinho
|
1.2 ton.
|
120 gramas
|
20 kg
|
170 metros
|
850 metros
|
Feijão de corda
|
722 kg
|
72 gramas
|
20 kg
|
277 metros
|
1.338 metros
|
Mandioca
|
15 ton.
|
1,5 kg
|
50 kg
|
33 metros
|
165 metros
|
Milho
|
2,2 ton.
|
400 gramas
|
19 kg
|
115 metros
|
575 metros
|
Arroz
|
3.7 ton.
|
500 gramas
|
45 kg
|
82 metros
|
410 metros
|
Batata doce
|
10 ton.
|
1,0 kg
|
50 kg
|
50 metros
|
250 metros
|
Inhame
|
15 ton.
|
1,5 kg
|
50 kg
|
33 metros
|
165 metros
|
Tomate
|
45 ton.
|
4,5 kg
|
5 kg
|
1.10 metros
|
5.50 metros
|
Cenoura
|
15 ton.
|
1,5 kg
|
1,5 kg
|
1 metros
|
5 metros
|
Beterraba
|
15 ton.
|
1,5 kg
|
1,0 kg
|
0,66 metros
|
3.3 metros
|
Pepino
|
45 ton.
|
4,5 kg
|
18 kg
|
4 metros
|
20 metros
|
Batata inglesa
|
20 ton.
|
2,0 kg
|
10 kg
|
5 metros
|
25 metros
|
Cebola
|
20 ton.
|
2,0 kg
|
3.3 kg
|
1.65 metros
|
8.25 metros
|
Pimentão
|
20 ton.
|
2,0 kg
|
2.0 kg
|
1 metro
|
5 metros
|
Repolho
|
30 ton.
|
3,0 kg
|
13 kg
|
4.5 metros
|
22 metros
|
Mamão
|
30 ton.
|
3,0 kg
|
8,3 kg
|
2,80 metros
|
14 metros
|
Banana
|
40 ton.
|
4,0 kg
|
25 kg
|
6,25 metros
|
31 metros
|
Alface
|
100.000 pés
|
10 pés
|
2 kg
|
1.5 metros
|
7,5 metros
|
Quiabo
|
15 ton.
|
1,5 kg
|
0,25 gramas
|
0.50 metros
|
2.5 metros
|
Abóbora
|
30 ton.
|
3.0 kg
|
0.94 kg
|
3.19 metros
|
16 metros
|
NECESSIDADE
APROXIMADA DE METROS QUADRADOS PARA ZONA 1 SUSTENTAR UMA FAMILIA DE 05
PESSOAS – 3.918 Metros Quadrados
|
Quadro adaptado por Roberto Mendes por pesquisas a vários sites,
literaturas técnicas e sua experiência prática na montagem de propriedades
Permaculturais.
6. Iniciar o processo de posicionamento
dos elementos no entorno da casa. Devem-se posicionar os elementos de forma que
a interdependência entre eles sejam ao máximo. Quanto mais conexões criadas
melhor para a sustentabilidade da propriedade. Arrume as plantas levando em
consideração suas formas, necessidades por luz e nutrientes. Não permita
espaços descobertos ou abertos sem vegetação, o solo precisa estar coberto e
protegido durante todo o ano independentemente do clima.
7. Utilize ao máximo o processo
sucessional dos vegetais, imite esta lógica. Execute permanentemente em todos
os metros quadrados do entorno da casa o empilhamento de tempo (varias plantas
de longevidade diferente) e de plantas (plantas de alturas diferentes).
8.
Crie bordas ao
máximo. Se formos bons observadores vamos notar que todo espaço que forma um
canto consegue juntar mais coisas. Estas margens ou Bordas tornam-se mais ricas
em diversidade. Uma diversidade de elementos se junta nestes ambientes
naturalmente, ou através das forças da natureza como ventos, declives, etc. Os
espaços onde a natureza cria borda são mais ricos em diversidade, pois conterá
elementos de dois ambientes. Borda nesta colocação é percebida como limite
entre espaços ou lugares e aumento de conexões e combinações entre componentes,
logo devemos utilizar esta estratégia na natureza em nossos ecossistemas
cultivados permitindo a criação de mais bordas, ou limites.
·
Entre a Terra e água
·
Entre a Floresta e campo
·
Entre a Plantação e pomar
·
Entre a Terra e mar
·
Entre o Seco e molhado
·
Entre o Urbano e rural
·
Entre o Alto e baixo
·
Entre o Longe e perto
·
Entre Em pé ou deitado
·
Entre o Claro e o
escuro
No primeiro exemplo acima a interseção entre a
terra e a água cria-se uma borda úmida que com certeza vai permitir a
existência de elementos da água e da terra, enriquecendo o úmido. Através deste
exemplo podemos ver que principio potencial fantástico temos ao nosso dispor.
Precisamos então criar facilidades para que as bordas sejam uma tecnologia que esteja
presente ao máximo em todos os espaços da propriedade. Quer seja criada pelos indivíduos
ou pela própria natureza.
Todos estes
dados podem levar o leitor a pensar: é complicado, de difícil
operacionalização, mas a efetivação na prática é fácil. Todos estes dados são
coletados uma única vez e não se precisa mais, eles vão servir de base real para
o planejamento da área.
Morando independentemente do local, se somos urbanos ou
rurais devemos nos perguntar quantos kg de alimento posso produzir na minha
casa? Na zona urbana caso não tenha um bom quintal posso tentar produzir em
jardineiras, vasos, latas, caixotes ou até em garrafas pet. A idéia intencional
é produzir. Comece aos poucos aumentando a área de plantio conhecendo,
aprendendo e diminuindo o percentual de alimentos comprados.
Lembre-se de
criar parcerias entre as plantas e com as plantas. A natureza também deve
sugerir neste processo arregimentando plantas para fazer parte dos espaços como
dinamizadora, cicatrizantes, criadeiras e adubadeiras.
Os números apresentados na tabela
anteriormente são aproximações, pois de região para região a produtividade e ou
os rendimentos das culturas podem sofrer alterações na produção. Com estes
parâmetros acredita-se que os cálculos para o planejamento desta segurança
possam ser facilitados e mais aproximados das condições reais. As escolhas de
boas práticas antigas consagradas associadas as mais modernas tecnologias
agrárias tendo como matriz principal a agroecologia e como forma de
operacionalização a Permacultura deve ser a base para se alcançar a
sustentabilidade destes espaços produtivos. A estabilidade produtiva é a busca
permanente deste sistema de produção alternativo aos modelos modernos que tem
como base o pacote tecnológico da revolução verde criado na década de 50/60. A
sinergia entre o plantar e o criar é a base deste sistema que hora se apresenta
em forma quantitativa.
A segurança alimentar na propriedade familiar
deve ser um dos principais objetivos a ser alcançado pelas famílias. Este
objetivo sendo alcançado traz uma grande tranqüilidade para a família, pois lhe
permite pensar na comercialização da produção do seu roçado livre de entregar
aos atravessadores por qualquer preço, lhe dá margem e segurança de barganhar
por melhores cotações e rentabilidades, pois sua alimentação esta garantida.
Percebemos que muitas famílias ao chegar na hora da colheita já tem grandes
dividas assumidas para serem quitadas até às vezes nas lojas onde comprou os
insumos para efetuar o plantio.
Percebe-se neste texto que a matemática é uma
grande ferramenta de planejamento na agricultura. Os números são a tentativa de
tornar real e verdadeiro o que pensamos, o que medimos, e o que calculamos. O
entendimento apurado deste texto exige conhecimentos básicos matemáticos, sem
eles ficará difícil a operacionalização quantitativa e qualitativa dos
objetivos pretendidos (a segurança alimentar da família).
Promover o
desenvolvimento de dentro para fora e de baixo para cima, estimulando e
fomentando a auto-suficiência familiar deve ser a intencionalidade de qualquer
planejamento onde a segurança alimentar seja a base prioritária do sistema.
Basear o desenvolvimento nas potencialidades e oportunidades internas, isto é,
naqueles recursos que os agricultores realmente possuem em seus sítios, em vez
de insistir nas debilidades e restrições externas (no que eles não possuem).
Uma estratégia realista e de bom senso deveria começar por incrementar a
produtividade das zonas de segurança alimentar (01 e 02), começando pela
capacitação da família para elevar sua própria produtividade e para desenvolver
o potencial produtivo da terra. E esta por sua vez, ao melhorar a sua
fertilidade e elevar a produtividade, produzirá maiores excedentes que
alimentarão toda a família de forma permanente.
Uma área aproximadamente de 0,5 hectares seria
um tamanho ideal para se buscar alcançar uma sustentabilidade alimentar para
uma família de mais ou menos 05 pessoas. Podendo esta área ser manejada pelos
jovens da família sem comprometer o tempo escolar de estudo. Nesta área deve-se
aproveitar e reutilizar todas as águas usadas de forma a garantir um mínimo de
irrigação para os cultivos já que o tamanho da área não é tão grande. Deve-se
também captar toda água possível para garantir o beber das plantas e dos
animais inclusive da família. A adubação desta área deverá ser feita com a
reciclagem ao máximo dos restos das culturas além do aproveitamento dos restos
de casa e do esterco dos animais que fazem parte destas zonas de produção de
segurança alimentar.
Encontrar os números idéias de cada propriedade
deve ser a tarefa de cada agricultor, estes números tem uma importância muito
grande para a busca da auto-suficiência
alimentar, conduzindo toda a família a soberania alimentar onde o poder
de decisão passa também pelo conhecimento destes números indicadores de
segurança.
Para que este trabalho tenha sucesso é
necessário o envolvimento de toda a família. Precisa-se de informações de todos
os membros. Estas informações quanto mais reais forem mais o planejamento
poderá trazer sucesso imediato. Estes números devem nos conduzir a fazer
cálculos de relações entre os rendimentos das culturas da nossa região e a
quantidade exigida pela família envolvida no planejamento.
Que este espaço no entorno da casa se torne
uma área de produção intensiva e de forma permanente, além de ser espaço de
aprendizagem para um atendimento a mercados mais formais e exigentes. A Zona 01
pode e deve ser área de experimento, de teste, de escolha e de produção de
conhecimento sobre nossos gastos para atender as nossas necessidades em
alimentos.
Esperamos que esta texto desperte nos leitores
a vontade de conhecer mais profundamente as suas capacidades, do fazer produzir
no entorno da casa diminuindo os gastos, economizando recurso evitando o não
comprar, aumentando a diversidade da propriedade e da mesa, além de uma
produção limpa e nutricionalmente mais saudável e equilibrada.
Antônio Roberto Mendes
Pereira
Técnico, Permacultor, Pedagogo e Especialista em metodologia da
educação ambiental
11 de fevereiro de 2011