sexta-feira, setembro 14

A desuniformidade como estratégia produtiva da natureza


Antônio Roberto Mendes Pereira 

A padronização da vida é uma estratégia do sistema capitalista. Querer vender vida de forma padronizada vai de encontro as normas implícitas da natureza. Muitos mercados exigem do agricultor a padronização dos produtos hortifrutigranjeiros. 

Peso, tamanho, cor, formato, sabor são características que são cobradas para serem iguais a todos os produtos que irão ser comercializados nas grandes redes de supermercados, e que os fornecedores têm por obrigação atender a todas estas características, pois de outra forma este fornecedor esta fora do circuito de comercialização, deste nicho de mercado. Esta demanda surge e é exigida a partir do empresário e da clientela, ou melhor, do sistema que ora está em vigor. 


Esta é uma visão de quem ver a natureza como uma fábrica de insumos igual a uma máquina, onde tudo sai igual, tal qual, gêmeo, idêntico, ou seja, é querer transformar a natureza e de forma direta a agricultura em algo amorfo (sem vida), onde se aperta um botão e todos os frutos, hortaliças, tubérculos e animais serão produzidos de forma igual, e os diferentes serão aniquilados, rejeitados, descartados. As exigências são ridículas em nome da igualdade da satisfação de uma clientela restrita e exigente a tais critérios, não se percebe que existem necessidades diferentes e que a natureza não é uma maquina high teck. 

Os pensamentos Descarteano[1] e Bayconiano ainda estão muito vivos e arraigados na cultura da maioria da população. Onde se vê e compreende as coisas da natureza de forma isolada e sem conexão com o todo. Os problemas e as soluções sempre são vistos e analisados de forma linear e isolados. Logo as soluções são sempre analisadas como se o planeta fosse uma máquina onde tudo que é produzido tem que ser igual, tal qual e assim reproduzimos esta mesma lógica para outros espaços independentemente do tamanho. A agricultura moderna ou de precisão sempre traz soluções a partir de uma pesquisa local com conclusão e divulgação a nível geral para a massificação. 


A desuniformidade é um recurso da natureza para aproveitar ao máximo o que se tem no local. Tudo ser igual é inconveniente e não se consegue aproveitar ao máximo o que se tem no ambiente. Quanto mais desuniformidade mais certeza que a vida vai poder se perpetuar. A desuniformidade também contribui para que em todos os espaços possa surgir vida. Mesmos nos ambientes mais inóspitos e ainda não muito férteis a natureza encontra forma de gerar vida para que este ambiente possa se desenvolver. 

Essa busca incessante pela padronização também é a responsável pelo rápido esgotamento do solo e pela perda de diversidade dos ambientes. 


Não esqueça que uniformidade pode ser entendida como um tipo de monocultura, que além de ser mono na espécie, quer também ter todos seus indivíduos da espécie no mesmo espaço iguais. É ir além do tolerável, é querer demais da natureza. 

A natureza não é uma fábrica de igualdade, mas sim de desigualdade dentro do mesmo padrão. Da mesma forma que existe um pé de goiaba adulto grande, também pode existir um pequeno adulto. O padrão esta preservado na desuniformidade. 


A formação de um organismo vivo é feita a partir de uma “receita” que define as características desse organismo. Essa “receita” é chamada de genoma e é formada por genes. O que faz uma banana ser diferente de um peixe, de um gato ou de um ser humano é essa “receita”, ou seja: o genoma que ela possui. 

Existem vários tipos de banana: nanica, ouro, prata, etc. Essas variedades de bananas têm quase todo o genoma igual. Poucos genes variam, e é por isso que as bananas são parecidas, mas não são todas iguais. 


A desuniformidade também é uma das maneiras para que o ambiente possa lentamente e de forma permanente ir alcançando novos níveis de fertilidade, umidade e de aumento de produção de biomassa. A intenção maior é colocar e ter vida em todos os espaços. Quando tem pouco mineral no ambiente geram-se plantas exigentes em poucos elementos. E com o tempo e a evolução este mesmo ambiente vai tornando-se mais completo permitindo que plantas mais exigente possam ir surgindo. 

A desuniformidade está presente em todos os espaços naturais, em uma mesma planta encontramos esta característica. Será que o hibrido é uma característica que pode ser entendida como uma desuniformidade na natureza? 


A seleção natural só existe porque existe o fraco, o incompleto, o pequeno, o defeituoso, sem estes seria impossível a seleção para o alcance da evolução. 

O está acabando gera e provoca a desuniformidade, logo a desuniformidade é um sinal de alerta, para que se fique atento. 

Não quero direcionar ou criar pretensão de desconstrução de que a procura do melhor, do mais bonito, do forte seja errado. Quero trazer a tona à ideia de que a natureza não só quer ou permite o bonito, o forte, mas todos devem fazer parte do todo e que todos são importantes para esse mesmo todo. 

O tempo conduz e transforma o fraco em forte e em algum momento (velhice) este mesmo forte volta a ser fraco novamente, permitindo que outro forte prevaleça. Sem o fraco não existiria o forte. 

O rico só existe porque existe algum para servir de comparação e ser diferente. E todo forte tem pontos fracos e todo fraco não é fraco por completo, tem sempre algo ou âmbito em que ele é forte, logo todos são importantes para o sistema. 

A presença do fraco no mesmo espaço do forte nos torna mais alerta, precavido e com esta postura ambos os componentes ganham diante do todo. 

Diante de toda esta exposição acredito que a DESUNIFORMIDADE seja um PADRÃO da natureza. Precisamos estar alerta que a certeza não é um padrão da natureza, mas o caos e a incerteza o são. 

COMO PERMITIR A DESUNIFORMIDADE PARA AUMENTAR A DIVERSIDADE E A PRODUÇÃO NA PROPRIEDADE RURAL 

· Crie ou permita a existência de espaços espontâneos – Estes espaços devem permitir que germine e cresça de tudo, a espontaneidade deve ser plena e livre. Este espaço torna-se um banco das espécies local, torna-se um verdadeiro santuário de vida silvestre diversa. Estes espaços podem estar no meio dos plantios, deixando-se aléias ou faixas de ervas espontâneas. 


· Evite o descarte de plantas cultivadas - Só descarte uma planta cultivada se ela estiver enferma, pois mesmo que esteja praguejada ela pode estar prestando um grande serviço a plantas sadias tornando-se a planta que atrai os insetos para ela, tirando a atenção das demais sadias. 

Não podemos esquecer que quando uma planta está crescendo desbalanceada nutricionalmente a natureza se encarrega de eliminá-la, pois ela não contribui para a evolução. Logo a presença dela entre as sadias pode ser uma ótima estratégia. Estas plantas assumem a função de ser indicadoras que algo está acontecendo, e se arrancamos perco este grande instrumento natural de alerta. Sua aparência, tamanho, coloração podem me instrumentalizar me informando que tipo de problema preciso resolver. 

O tamanho dos frutos não deve ser a causa para a aniquilação ou descarte, pois alimentam da mesma forma. A qualidade biológica ou nutricional pode ser a mesma. A estratégia da desbrota do tomateiro na intenção de se padronizar o tamanho dos frutos é um desperdício de tempo, energia e de alimento, além de ser uma prática que vai de encontro aos princípios da permacultura. Não é o tamanho que determina a qualidade. 


· Tudo na natureza é útil e necessário – Na natureza não existe a não serventia ou inutilidade. O que não cresceu tem outra serventia, descubra, elenque, eleja estas outras serventias. O que não serve para um ser pode servir de alimento ou recurso para outro (s). Não há perdas e sim trocas de utilidades ou energia. 

· Na natureza não existe nada igual - Pode ter parecido, todos os seres são exclusividades no sistema na sua individualidade. Todo ser é único, exclusivo por isso também suas funções quando comparado com a de outros não é igual, pode ser parecido, mas sempre vai ter algo que faz a diferenciação provocando a exclusividade. Logo, permita ter mais exclusividade bastante diferenciada no seu agroecossistema, repense a exclusividade quase igual. 


· Não olhe a árvore e sim a floresta ou o sistema – Este é um dos grandes diferenciais, olhar e perceber o todo. É nas relações desse todo que está um dos grandes segredos da natureza. O todo para a natureza é mais importante que qualquer ser isolado. Logo a desuniformidade faz parte do todo logo, precisa ser considerada como parte integrante desse todo. Quando se tira uma parte desse todo, o todo é afetado, mexe-se no sistema de forma integral, pois tudo esta ligado a este todo. 


Na imagem acima não olhe o milho, mas sim todo o sistema ao lado. Não busque entender apenas de milho, mas busque aprender as relações que podem ser criadas do milho com todos os elementos do sistema, fortalecendo-se e fortalecendo todo o agroecossistema. 

· Ter muitas opções – Ter muitos elementos diferentes enriquece o meio e aumenta a quantidade, e em muitas vezes a qualidade das opções. Cria-se a oportunidade de se atender a muitos elementos às vezes através do mesmo elemento. 

Os elementos independentemente de ser grande ou pequeno, forte ou fraco são sempre indicadores de situações ambientais. O surgimento de um elemento diferenciado em um grande número de parecidos são indicadores de situações que precisam ser observadas e entendidas quando justamente neste espaço praticamos agricultura. Vejamos algumas das informações que estes elementos diferentes podem nos informar: 

a. Tem-se pouco ou muita água disponível no agroecossistema; 
b. Situação da fertilidade daquele solo; 
c. Extremos de seca; 
d. Presença intensa de luminosidade ou não; 
e. Se neste ambiente chove muito ou não; 
f. Intensidade de vento no local; 
g. Se o espaço é suficiente ou não; 
h. Se este elemento está carente, desnutrido; 

Além deste podem ter muitos outros... 

· A desuniformidade é uma forma de solidariedade da natureza – Em uma propriedade onde acontece esta característica a economia atinge a todos os elementos que fazem parte deste agroecossistema. O acesso a todos é economia solidária. 

A natureza padroniza e não uniformiza os elementos vivos. O não fazer igual é uma forma que permite sempre está surgindo o novo, o inovador. Poder gerar o mesmo padrão nos ambientes os mais diversos é uma capacidade fantástica que precisa ser entendida e seguida nos agroecossistemas cultivados. A riqueza não está no tamanho, nem muito menos na beleza, a riqueza está no poder ter de forma o mais natural possível. 

14 de setembro de 2012




[1] Descartes – Acreditava que o universo poderia ser visto como uma grande máquina regida por leis como as da matemática.

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