sexta-feira, novembro 11

Os aromas que podem ser aplicados na agricultura familiar

Antônio Roberto Mendes Pereira 

Os textos que escrevo são sempre direcionados para a prática da agricultura familiar. Esta permanente intenção é porque percebo que quase sempre as literaturas estão direcionadas para o agronegócio. A formação profissional também caminha na mesma direção do agronegócio, até a própria assistência técnica estar sempre intencionada em transformar a pequena agricultura familiar em agronegócios onde a pretensão produtiva é direcionada para o mercado. A pesquisa também caminha nesta mesma direção, muitas vezes até se alega que não compensa investir dinheiro e tempo para pesquisar soluções de problemas, para um público que sua produção é pequena, não tem volume de mercado. 

Desde 1977 que me dedico a estudar e entender a pequena produção, a pequena propriedade, e como através da Permacultura poder criar situações onde o planejamento desde espaço possa verdadeiramente, ser um espaço sustentável através do uso racional das energias, dos elementos e de suas combinações com o meio, incluindo as estruturas físicas construídas e ou em construção. 

Vários foram os temas que abordei neste ano, e ainda sinto que minhas contribuições estão apenas começando. Ainda vou escrever sobre várias temáticas que vejo que precisam ser abordados ou até sistematizadas de forma mais simples para que muitos agricultores e outros profissionais possam rever as formas como estão operacionalizando as suas propriedades. Tento o tempo inteiro buscar formas de escrever que alcancem a compreensão de forma simples e muitas vezes tentando explicar o complexo de forma compreensível para os mais diversos públicos que lêem o que escrevo. 

A temática desta semana é sobre os AROMAS. É muito fascinante o que está por traz deste fenômeno da natureza. Descobrir os códigos e as informações implícitas que são passados todos os dias pelos aromas é maravilhoso. Entender estes aromas para poder aplicar as mesmas estratégias nos cultivos é uma grande ferramenta, que pode nos ajudar cada vez mais a obter resultados produtivos inimagináveis. 

Ter a natureza como parceira e não como inimiga é uma estratégia pra lá de inteligente. É ter além de recursos, estratégias de proteção, de produção, de indução, de economia, e de sustentabilidade. 

Os aromas na natureza são grandes indicadores, revelam inúmeras situações que estão acontecendo e que já foram ocorridos. Imagine um mundo sem aromas como seria? É até difícil criar situações para entender o que poderia acontecer se não existissem os cheiros. 

Na festa dos sentidos, o olfato é um dos mais importantes e poderosos. Há memórias que ficam registradas pelo cheiro e há momentos em que basta apenas um aroma para nos inebriar e toldar todos os outros sentidos. 

Todos os espaços são providos de algum cheiro, talvez mais perceptíveis para algumas espécies, menos para outras. Estes aromas como dito anteriormente são indicadores de várias situações, entender alguns destes aromas é a intenção deste texto. 

Nos jardins, existem muito mais que a beleza das pétalas. Assim como os pomares não fornecem apenas o alimento. A natureza indica-nos um caminho que pode nos levar ao alívio de algumas doenças e outras serventias que pouco é entendida e utilizada. Um caminho que percorre os ares exalando perfume e que pode ajudar através da compreensão deste grande recurso natural. 

Irei iniciar trazendo a tona alguns aromas comuns do nosso dia a dia, e a partir deles iremos nos aprofundar em outros, mas sempre irei direcionar a utilidade destes cheiros ou aromas para os nossos agroecossistemas cultivados. Como estes aromas podem nos ajudar a aumentar e até defender os cultivos? 

AROMAS DO DIA A DIA NO CAMPO 

1. O cheiro de chuva, de terra molhada, quem nunca sentiu? Este cheiro é característico e comum, todos identificam este aroma mesmo estando com os olhos vendados. 

Aquele cheiro que sentimos após uma chuvarada, especialmente nas áreas rurais, tem uma causa que muitos não conhecem. Este aroma é causado por uma bactéria, parece esquisito, mas é isso mesmo: quando as primeiras gotas de chuva atingem o chão, a camada superficial do solo fica toda bagunçada. Com o impacto dos pingos d’água, as partículas que repousam na faixa superficial do solo são impulsionadas para o ar e se misturam com o vapor em suspensão, gerando uma espécie de spray úmido. Além das gotículas de água, esse spray também contém minúsculos grãos de terra e colônia de Streptomyces, um gênero de bactéria que cresce naturalmente no solo com a umidade. Nas épocas de seca, a Streptomyces entra em uma espécie de hibernação, que os cientistas chamam de estado de latência. Nesta “fase, a bactéria continua viva, mas não se reproduz porque não há umidade suficiente”, afirma o engenheiro agrônomo Miguel Angelo Manjero, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). 


Tudo muda quando chega à chuva: a água ativa a capacidade reprodutiva destas bactérias fazendo com que ela libere no ar milhares de células reprodutoras, chamadas de esporos. Além de gerar novos seres, o processo de reprodução faz com que os esporos exalem o característico odor de chuva. O curioso é que os cientistas perceberam esse fato quando estudavam a bactéria em laboratório. Analisando as culturas de Streptomyces. Os pesquisadores notaram que as lâminas com colônias tinham um odor igualzinho ao do solo depois de uma chuva. Vale salientar que esta bactéria não faz mal nenhum à saúde humana, na verdade o que ocorre é justamente o contrário: muitas das espécies desse gênero servem como matéria prima para a fabricação de antibióticos. 

2. Cheiro das flores de algumas frutas – É inconfundível o aroma da flor do caju, a dezenas de metros já sentimos aquele cheiro. É com se ele estivesse dizendo, vem insetos e pássaros me fecundar, preciso de vocês, preciso passar para o estágio de ser fruto. E da mesma forma acontece com uma infinidade de outras fruteiras, o aroma tem a função de atrair os insetos polinizadores para a reprodução. 


Este aroma além de atrair os insetos e pássaros, também é a forma de atrair os consumidores para se deliciar destas maravilhas da alquimia das plantas. 

Quais estratégias podemos utilizar nos cultivos a partir desta informação? 

· O aroma destas frutas através dos seus sucos pode ser utilizado na agricultura como insumos para preparar iscas atrativas de insetos, que podem estar causando algum mal as plantas cultivadas, ou aos espaços habitados como maribondos, vespas, moscas entre outros. A pretensão é controlar e não exterminar, pois estes insetos também exercem funções importantíssimas dentro dos agroecossistemas. A biodiversidade deve aumentar na propriedade e não diminuir. 

http://sitiocurupira.wordpress.com/alternativas-ecologicas-para-prevencao-e-controle-de-pragas-e-doencas/

3. O amadurecimento também provoca aromas os mais variados a depender do alimento. A Fruta passa por uma série de mudanças, uma vez que amadurece sofre um profundo impacto sobre o seu sabor. Se for permitido seu amadurecimento, o doce da fruta vai aumentar, perde a acidez, e também fica mais suculenta, aprofunda-se em cor, e começa a emitir um aroma rico e chamativo para muitas espécies. 

As Frutas podem ser divididas em duas categorias básicas em relação ao amadurecimento. Alguns tipos de frutas podem amadurecer fora da planta-mãe, especialmente quando armazenados com bananas, que emitem agentes de amadurecimento. Outros tipos de frutos não podem amadurecer fora da planta-mãe, o que significa que eles devem amadurecer na planta mãe. Em ambos os casos é muito importante conhecer o momento ideal para se dá a colheita, de outra forma poderá perder a fruta colhendo-se antecipadamente ou tardiamente. Muitas frutas produzem um gás chamado de etileno que ajuda no amadurecimento. 

O etileno é um gás responsável pela maturação de frutas, ele funciona como um hormônio e é produzido a partir das células e se faz presente em toda a estrutura do fruto, desde a casca até seu interior. Três reações acontecem durante o processo de maturação de frutas: 

· Oxidação de lipídios: essa reação é produzida pelo etileno e é responsável pelo rompimento das fibras do fruto, tornando-o macio; 

· Quebra das ligações de amido: A doçura das frutas aparece neste momento, durante a quebra das ligações do amido presente em sua composição; 

· Quebra das moléculas de clorofila: o etileno é responsável ainda por quebrar as moléculas de clorofila presente na casca do fruto, que lhe confere a cor verde. Após esta reação, dependendo do fruto, a coloração fica avermelhada ou amarelada. 

DICA – Se quiser acelerar o amadurecimento do tomate e banana em sua própria casa, basta colocá-lo em um recipiente fechado. Estes frutos exalam etileno quando maduros, abafando-os, você evita que o etileno gasoso escape, e fique retido no recipiente e acelere o processo de maturação da frutas verdes. Outra forma é utilizar estas frutas grandes produtoras de etileno para apressar o amadurecimento de outras frutas. 

Esta é uma estratégia que podemos utilizar nos nossos planejamentos de colheitas comercial. É uma grande estratégia natural que precisa ser conhecida com mais detalhes, para o seu uso de forma comercial. Evitando desta forma o uso de produtos químicos que apressam ou provocam o amadurecimento de forma antinatural.
 

O cheiro das frutas também atrai morcegos que ajudam na disseminação das sementes das mesmas ao se alimentar. 

4. A Putrefação – A próxima fase após o amadurecimento é o apodrecimento, esta fase exala um aroma inconfundível. O reconhecimento desta fase pode ser determinado pelo cheiro forte de material podre, aroma este insuportável para algumas espécies. 

O apodrecimento é o processo de transformação da matéria orgânica em minerais, é o retorno para o fechamento dos ciclos biogeoquímicos, onde os minerais vão ser liberados para a formação de outro ser vivo. Todo material orgânico, passa pelo processo de decomposição é a forma que a natureza utiliza para tudo voltar a ser. 

A parte não consumida é então atacada por vários tipos de bactérias; as partes interiores, onde não existe oxigênio livre, são consumidas por bactérias anaeróbicas, causando a putrefação, que resulta em aminas como a putrescina e a cadaverina, que têm um odor "pútrido"; este é o processo conhecido vulgarmente como apodrecimento. Finalmente, intervêm as bactérias mineralizantes – os decompositores – que transformam as moléculas orgânicas libertadas pelos processos anteriores em água, dióxido de carbono e sais minerais. 


Na agricultura podemos utilizar a fase do apodrecimento em inúmeras ações: 

· Na mineralização da matéria orgânica, podendo ser utilizada depois como fertilizante nos cultivos; 

· Como repelente para determinadas pragas. Muitas espécies não suportam o cheiro de decomposição da sua mesma espécie. Muitas lagartas quando mortas e em estado de decomposição se diluídas em água e pulverizada em lagartas vivas servem como ótimos repelentes. Um ótimo exemplo é o baculovírus. http://www.cnpms.embrapa.br/noticias/mostranoticia.php?codigo=343


5. A Fumaça – Tem um dito popular que diz, “Se tem fumaça, tem fogo”. O cheiro de fumaça é um dos indicadores do uso proposital, acidental ou fenomenológico de fogo. Em uma propriedade Permacultural, o uso do fogo deve ser totalmente evitado. Mas, vamos nos ater na fumaça, em certas circunstâncias podem ser poluentes, mas em determinadas situações desde que controlada, pode-se usar para defumação de carnes, queijos, ovos, peixes entre outros e até para a produção do ácido pirolenhoso (fumaça líquida), que pode ser utilizado no controle de alguns insetos. Na apicultura o uso da fumaça é muito utilizado para controlar a agressividade das abelhas, através da fumigação nas colmeias. 

Pode também ser utilizada como repelentes de insetos quando, expulsa os mesmos por asfixia. Outra forma de utilizar à fumaça é na produção de carvão. 




6. Plantas com poder repelente – Muitas plantas produzem determinadas aromas/substâncias que afastam muitos insetos. Estas substâncias podem ser utilizadas na operacionalização da agricultura para defender e ou proteger os cultivos. Plantas como arruda, cravo de defunto, entre outras tem esta capacidade, basta saber usar que poderemos obter ótimos resultados. 


7. Cheiro do Cio – Uma das formas que os animais percebem que a fêmea esta no cio é através do cheiro característico da secreção abundante que escorre da vulva dos animais, secreção esta que consegue atrair o macho para a reprodução. Este cheiro é um grande indicador. 


8. Muitas infecções são detectadas através do cheiro que imite principalmente as dos órgãos reprodutores. Este cheiro é como se fosse um alerta vermelho, nos avisando da presença do problema. 

9. Cheiro de terra boa – Uma das formas que se pode conhecer a fertilidade do solo é através do cheiro. Um solo escuro, com muita presença de matéria orgânica tem um cheiro encorpado, diferente de um solo ao contrário do que foi exposto anteriormente. A cor e o cheiro do solo são dados através da presença de um fungo Epicoccum nigrum durante a decomposição da matéria orgânica. A presença de água e de matéria orgânica em decomposição dá um aroma ao solo que normalmente relacionamos com terra boa. Mais uma vez percebemos o quanto os aromas podem nos orientar e direcionar para determinadas conclusões. 


10. Cheiro de fermentações – Todas as fermentações exalam aromas, uns bons de sentir, outros terríveis. No caso da silagem, por exemplo, cada fermentação tem seu cheiro característico que precisa ser conhecido. 

As fermentações que podem acontecer em uma silagem são: 

· Fermentação lática – é provocada por bacilos láticos, que produzem ácido lático em grande quantidade. Tem um cheiro muito agradável. 

· Fermentação acética – provocada principalmente, por bacilos acéticos e, em alguns casos, por bacilos láticos. Esta fermentação não é desejável, pois altera o valor nutritivo e o paladar da silagem. Tem um cheiro de vinagre, meio azedo. 

· Fermentação butírica – é provocada por bacilos esporulados aeróbios. É altamente indesejável na silagem. 

· Fermentação proteolítica – causa a putrefação, porque as proteínas são atacadas. Pode inutilizar a silagem. 

11. Cheiro de feses – Todas as feses têm seu cheiro particular a depender da espécie animal. O aroma é um indicador se o esterco está curtido ou não. Os estercos quando não estão fermentados e utilizados podem trazer problemas para os cultivos. O cheiro de um esterco curtido tem aroma de terra boa, fértil, perde por completo o seu odor e sua cor inicial. 


O aroma das feses é um gás de valor extraordinário podem-se utilizar estas feses para produzir este cheiro/gás tecnicamente conhecido como metano. Este gás nada mais é do que “pum” produzido propositadamente e aprisionados em equipamentos hermeticamente fechados, e tendo sua saída para uso controlado. 

Este gás pode ser produzido em biodigestores e sua utilidade é bastante diversificada, pode ser utilizado como gás de cozinha, na produção de energia para clarear as casas, em geladeiras entre outros. Estas feses além de poder gerar este gás produz ainda, um subproduto riquíssimo para a fertilização de plantas, que é o biofertilizante. Como podemos perceber o mau cheiro das feses é um grande insumo para ser utilizado nas propriedades rurais. Precisamos aproveitar também outras feses inclusive a humana, e para isto precisamos perder a fecofobia (medo de feses). 


A VISÃO MERCADOLÓGICA DOS AROMAS ARTIFICIAIS 

O mercado quer levar para todos os espaços aromas, mas sempre opta por utilizar produtos sintéticos, tentando imitar os da natureza. Vários produtos comerciais são vendidos com a intenção de deixar os ambientes com cheiro de natureza, e que nas propagandas são colocados como produtos de limpeza. 


Outros tentam trazer os aromas de frutas de forma artificial. Os aromas artificiais são utilizados em refrescos, refrigerantes e perfumes e até em algumas coisas que chamam de alimento. 





O uso e abuso destes aromas artificiais estão se tornando um absurdo. A cada dia nascem crianças que não vão saber diferenciar entre um produto natural e um artificial, pois já estão nascendo em espaços completamente artificiais. Ao invés de nascer com a presença do natural acontece ao contrário, já nascem de partos cesarianos. Seu primeiro contato na produção de conhecimento sobre a realidade vai ser o produto FABRICADO e não o PRODUZIDO. 

A caça as moléculas de aroma deve ser uma constante nos nossos agroecossistemas, precisamos estar alertas para ser sensíveis a estes aromas, evitando ou permitindo que os mesmos possam acontecer. E criar estratégias de aromaterapia para a resolução de alguns dos problemas que enfrentamos nas nossas propriedades. Aprenda a cheirar e a distinguir o que pode nos ajudar e o que pode nos prejudicar através dos aromas. 

Pense que tudo deve começar por você, portanto não espere, haja. 

10 de novembro de 2011

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