sexta-feira, outubro 14

Fazendo o inventário genético da propriedade rural - Sensores humanos ativos

Antônio Roberto Mendes Pereira

Qual a importância de se ter um inventário genético vegetal e animal da nossa propriedade? O que isto pode significar em termos ambientais, produtivos e econômicos para o empreendimento rural? 


É uma pergunta que sempre me fiz, e depois de algum tempo comecei a perceber a importância deste levantamento. E isto aconteceu quando comecei a ler artigos sobre banco genético e o domínio que se pode ter a partir do conhecimento destes exemplares nativos. Com este capital genético podemos criar novas raças resistentes e mais produtivas, tendo como características a base genética do nativo, do local. 

Conhecer o potencial genético que temos nas propriedades deve ser uma das prioridades para quem dela vive. Quanto mais nativo e vivo for este banco genético, mais seremos capazes de garantir uma grande biodiversidade, espaço ambiental e produtivo. 

Se atualmente perguntarmos a um agricultor, quantas espécies de plantas cultivadas ele possuem em toda a propriedade, com certeza, muitos ou até a maioria não saberá mensurar, e quando sabe é porque sua diversidade produtiva é muito reduzida ou até não existe, sendo reconhecido como monocultor. 

Existe até uma preocupação em algumas propriedades em ter um banco de sementes, mas, normalmente este é feito unicamente tendo como básico o armazenamento dos cereais mais cultivados pela maioria dos produtores. A preservação de todo o potencial cultivado e natural que existe na propriedade é a demonstração da riqueza genética, que se tem e que é capaz de garantir uma pureza das espécies nativas que se possui. 

As sementes crioulas, são um grande exemplo e potencial que se pode ter disponível nas propriedades rurais. A domesticação das espécies nativas através do tempo, fez com que hoje, possamos ter a maioria das plantas cultivadas. As transformações destas espécies acompanham as modificações do e no ambiente (qualidade do solo, temperatura do ar, regime de chuvas, até presença de ervas e insetos) contribuem para as mudanças. 


Na imagem acima vemos: Teosinto, à esquerda, milho, à direita, e no meio, uma planta híbrida dos dois: cientistas finalmente conseguem traçar a origem do milho. 


Alguma vez, você parou para pensar o que aconteceria se as plantas desaparecessem? E se este acontecimento iniciasse pelas plantas cultivadas, o que seria da humanidade? Diz um dito popular “é melhor prevenir do que remediar” e para que isto não aconteça monte seu banco de sementes, não só das plantas cultivadas, mas todas as espécies que estão presentes na sua propriedade. 

Pense em um banco de sementes como uma caderneta de poupança. As sementes são "depositadas" em um armazém seguro com a intenção de serem "sacadas" no futuro quando forem necessárias, ou seja, poderão ser usados para o replantio no caso de certas culturas desaparecerem ou serem destruídas. Quando armazenadas corretamente, as sementes podem permanecer viáveis por décadas, ou mesmo por séculos. 

Para compreender melhor o que estou dizendo assista ao filme de ficção científica de 1972, "Corrida Silenciosa". Este filme pinta um futuro estéril, em que toda a vida vegetal foi destruída pelos humanos. Apenas algumas espécies de plantas sobrevivem, encerradas em uma estufa em orbita no espaço. O protetor dessa floresta preservada, interpretado por Bruce Dern, acaba lutando com sua própria tripulação para salvar suas queridas árvores. Ele e os robôs Dewey e Huey (que passam a ser seus companheiros de viagem) irão conseguir? Alugue o filme para saber. 

QUAIS AS APRENDIZAGENS QUE SE PODE TER COM ESTE INVENTÁRIO? 

1. Conhecer o total de espécies existentes na propriedade, classificando-as em: de alimentação humana, de alimentação animal, de alimentação do solo, das plantas indicadoras de carências nutricionais do solo. 


2. Conhecendo-as posso Classificá-las por período de surgimento. Se elas aparecem no inverno ou qualquer outra estação do ano. Com este levantamento consegue-se identificar o potencial de biomassa por estação. Vendo toda esta biomassa como uma grande fonte de adubo, de energia, e de alimento para todo o sistema. 

3. Conhecer as transformações que estão ocorrendo na minha propriedade. Será que ela está se desenvolvendo, tornando-se mais completa e complexa? Ou a cada estação vem perdendo está capacidade de aumentar seu processo secessional? 


Conhecer o comportamento da vegetação durante todo o ano é uma condição de quem quer e precisa ser curioso. Curiosidade de quem quer saber e conhecer sempre mais. Conhecer para: 

· Preservar; 
· Recuperar; 
· Incluir; 
· Conectar; 
· Multiplicar; 
· Melhor cuidar; 
· Diferenciar;
· Melhorar; 
· Não ser dominado. 

Todas estas curiosidades é complemento dos conhecimentos para melhor entender a função deste inventário genético da propriedade. 

4. Conhecer para garantir a perpetuação, ou melhor, a continuidade de existência de muitas espécies que pode vir a ser extinta na nossa região, ou que está ameaçada. 

5. Conhecer como se dá o processo de semeadura, germinação e plantio de muitas espécies que podem se tornar comercialmente replicável. Todas as espécies para ser preservado preciso conhecer como se dá sua reprodução e multiplicação. Sua multiplicação de forma não espontânea exige conhecimentos profundos para que aconteça sua manipulação. Logo, este conhecer tem tudo haver com o preservar para incluir e não deixar de existir. 


6. Conhecer o estoque de carbono com intuito de aumentar esta capacidade. Cada vez mais a captura de carbono vem se tornando outra fonte de renda de muitas propriedades rurais. Este seqüestro ou captura de carbono nada mais é que a absorção de grandes quantidades de gás carbônico (CO2) presentes na atmosfera. A forma mais comum de seqüestro de carbono é naturalmente realizada pelas florestas. Na fase de crescimento, as árvores demandam uma quantidade muito grande de carbono para se desenvolver e acabam tirando esse elemento do ar. Esse processo natural ajuda a diminuir consideravelmente a quantidade de CO2 na atmosfera: cada hectare de floresta em desenvolvimento é capaz de absorver nada menos do que 150 a 200 toneladas de carbono. 

7. Podemos conhecer o potencial de estoque de funcionalidade existente na propriedade. Cada elemento residente neste espaço exerce uma infinidade de funções para todo o sistema, enriquecendo-o. Não podemos esquecer que a prática Permacultural exige o conhecimento das funções dos elementos vivos que fazem parte do ecossistema predial, e que cada elemento deve exercer no mínimo duas funções, e que para cada função importante, devemos ter vários elementos desempenhando esta função ou necessidade. 

A intenção maior é conhecer o verdadeiro supermercado de bio elementos que fazem parte do ecossistema predial. Um supermercado genético onde a biodiversidade são os elementos das gôndolas. Ser dono de um supermercado deste é fantástico. Muitas propriedades não são supermercados, são apenas pequenas barracas onde a exposição de elementos são pouquíssimas, as vezes só possuem monoculturas. Com este supermercado genético tenho muito mais opções de escolha. Com certeza não preciso de tudo que existe neste supermercado, mas quero ter de tudo, o sistema quer e precisa, eu sou apenas um dos elementos deste supermercado que tenho o poder de manipular criando parcerias e combinações com os demais. Com este levantamento genético irei conhecer a variedade do ESTOQUE que meu sistema tem e me oferece sem custos permanentemente. 


É possível criar combinações inimagináveis que geram sustentabilidade, facilidades de criar redes, teias com todos os elementos existentes. Esta é uma das grandes vantagens de se ter um potencial genético grande e diversificado. Com este estoque podemos atender uma infinidade de demandas internas e até externas, pois todos os sistemas permitem entradas e saídas. 

Imagine se você tivesse uma área sem plantas, e quisesse ter, quanto custaria todas as plantas que você possui atualmente na sua propriedade? Quanto custaria todo este patrimônio genético se fosse cobrado por espécie e por função desempenhada por cada espécie? Com certeza o que você tem não tem preço, é vida com potencial latente, guardado, armazenado para qualquer eventualidade. 

Se fossemos comparar as espécies de vegetais existentes na nossa propriedade como pessoas, viríamos que quanto mais famílias diferentes mais funcionalidades iríamos identificar. E quanto mais funções estão sendo exercidas mais sustentabilidades terá meu ambiente. A aptidão e a função são a base para se ter versatilidade de sobrevivência e de substituição daquele que pode vir faltar ou se ausentar do ambiente por circunstâncias as mais diversas. É a garantia que aquela função será atendida por outro representante. 

Para a agricultura familiar e para as populações tradicionais, vários são os impactos negativos causados pela redução da diversidade genética na agricultura. Entre elas podemos destacar: 

· A redução na segurança alimentar e na qualidade da alimentação; 
· A elevação dos custos de produção devido à compra de sementes da indústria e do pacote tecnológico acoplado a estas sementes (adubos, venenos, etc.); 
· A redução da autonomia das famílias e das comunidades. 

Para as populações urbanas, a redução da diversidade na sua alimentação pode ser verificada nos supermercados, onde vemos uma grande diversidade de alimentos processados, feitos a partir de um número cada vez menos de espécies ou variedades de plantas. Derivados de milho e soja, por exemplo, estão presentes na grande maioria dos produtos industrializados. 

RELAÇÃO ENTRE AGROBIODIVERSIDADE E ALIMENTAÇÃO HUMANA 


Plantas potenciais para o uso humano                               250.000 espécies 
Plantas domesticadas pelo ser humano                                  1.500 espécies 
Necessidades alimentares globais                      95% provêm de 30 espécies 
Dieta de cereais                                       75% provêm de milho, arroz e trigo 

Situação mundial de conservação dos recursos genéticos das espécies alimentares FAO, 1996 

Muitas das sementes que se possuía há algumas décadas atrás estão desaparecendo, e o surgimento de espécies hibrida manipulado geneticamente vem tomando espaço nas áreas cultivadas. As conseqüências deste processo de modernização, ou melhor, de perda de autonomia e de falta de escolha vem trazendo grandes conseqüências ao ambiente e as pessoas que dele vive. 

A autonomia de poder melhorar, adaptar, fazer com que seus cultivos estejam muitos mais adequados e apropriados ao solo, água e clima que se tem já não se consegue mais com tanta facilidade. Em muitos casos nem se tem mais as sementes para o plantio do próximo ano agrícola, pois os híbridos já ocupam todos os espaços. Talvez na nossa propriedade existam algumas espécies de plantas que no futuro possam ser exploradas comercialmente como um fármaco, uma tintura, um produto para a pele, mas por não termos mais este banco genético vivo ou inativo (sementes guardadas) vamos perder esta oportunidade. 

As multinacionais cada vez mais entram neste ramo da agricultura e pecuária, criando bancos de germoplasmas onde só eles vão poder ter o monopólio do criar, do variar, do manipular. Nos últimos 10 anos, as indústrias nacionais de sementes praticamente desapareceram e este mercado passou a ser ocupado e controlado por algumas poucas multinacionais. Os impactos da erosão cultural sobre a dieta alimentar nas cidades, sustentada por propaganda é bastante persuasiva, precisamos fazer alguma coisa, não dá para ficar parado. 

Diante desta conjuntura precisamos recuperar os sistemas de produção de alimentos sustentáveis tendo como base o uso e valoração da biodiversidade cultivada e não cultivada. A revitalização destes sistemas biodiversos requer, portanto, uma série de medidas como as frisadas anteriormente. Sem estas medidas iniciais e locais, vamos perder uma grande chance de manter um patrimônio genético vivo. A autonomia sobre o produzir e o que consumir levando para mesa uma grande diversidade de sabores, deve fazer parte do livre arbítrio de cada unidade familiar produtiva. Não perca esta oportunidade, conheça mais o que existe sobre seus cuidados. Não esqueça um principio básico da natureza, todos os seres são importantes para os ecossistemas, cada um realiza incontáveis funções para todo o ambiente. 

14 de outubro de 2011

Bibliografia consultada 

CENTRO ECOLÓGICO - Biodiversidade - passado, presente e futuro da humanidade. Secretaria da agricultura familiar, Ministério do Desenvolvimento Agrário. outubro 2006

Um comentário:

  1. Caro Roberto,

    Mensagem muito clara e apropriada para os nossos dias !

    Manter esta diversidade genética é garantia da qualidade dos sinais que a mãe terra emite para a harmonia do relacionamento com ela e para a sustentação da vida.

    Infelizmente dos elementos diversos o bicho homem é que vem destoando de função, vem usurpando (ou querendo) uma função de controle, de domínio irracional que a nenhum dos componentes do sistema cabe, apenas a um Poder Criador.

    Não se pode reconhecer como função a manipulação genética científica (deletéria) ou a monopolização comercial e legislativa do manejo de sementes !

    Agradeço o excelente texto que estimula à resistência e à restauração das nossas funções !

    Alexandre Vasconcelos
    Caruaru/PE

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