Antônio Roberto Mendes Pereira
Algumas décadas atrás, quase todas as propriedades utilizavam o espaço cozinha para a produção de quitutes que eram vendidos nas feiras livres e em outros espaços de comercialização. As mulheres na propriedade rural detinham esta tarefa, principalmente como atividade econômica para aumentar os ingressos de recursos financeiros na propriedade. Este espaço garantia também que algumas mulheres ganhassem o adjetivo de “prendada”, isto é, que tinha talentos culinários, que poderiam ser reconhecidos como uma curiosa no assunto do saber fazer bem feito, saboroso, no ponto e na textura certa.
Este espaço aperfeiçoava talentos, surgindo dessa forma muitas quituteiras com conhecimentos que eram passados de mãe para filha reproduzindo culturalmente estas expertises de transformar e beneficiar produtos in natura em verdadeiras maravilhas da cozinha artesanal rural. Estas delícias não eram conseguidas através do uso de aditivos químicos artificiais para dar cheiro, sabor e cor, mas através das misturas dos ingredientes naturais, do tipo de panela que era utilizado, do fogão de lenha, e da manipulação apurada, conhecendo o momento certo para misturar isto ou aquilo, do ponto de colheita e da maturação dos produtos que iriam fazer parte da receita.
Comidas estas, que muitas vezes não estavam escritas em manuais, ou de um livro de receitas, eram em muitos casos pura intuição, um saber que se aprende e se sente com o tempo, com a maturidade de quem aprendeu fazendo, testando, com memória muscular. E todo este saber era passado de mãe para filha neste espaço aprendendo fazendo, tomando conta da panela, mexendo a comida com a colher de pau, e até comendo a raspa da panela. Este espaço sempre foi um espaço de ensino e aprendizagem.
Este espaço também tinha o dom de conquistar marido e prender o mesmo pela barriga. As mulheres além dos seus encantos para terem os maridos sob seu controle, também utilizavam os dons culinários que aprendera com sua mãe e antepassados, mantendo sempre os maridos retornando para se desfrutarem das delicias por elas preparadas.
Este espaço também sempre foi reconhecido como espaço de domínio feminino, os homens só deveriam entrar neste local para fazer as refeições. O que fazer, o como fazer em décadas anteriores sempre fora decidido pelas mulheres.
Este espaço tem um poder tão grande que consegue reunir toda a família em torno de uma mesa nos finais de semana, para se deliciar com pirão, xerém com galinha de capoeira, uma buchada, um sarapatel, entre outras delícias.
A boa comida atraía a todos, mas até ser servida a refeição muito papo rolava, muita conversa era colocada em dia, muitos assuntos de família eram resolvidos regado a uma boa pinga, que muitas vezes também era produzida na propriedade. A cozinha sempre fora um espaço fascinante para todas as comemorações e festejos.
O elogio as mulheres passavam também pelo seu talento na arte do receber bem, do cozinhar e servir. Uma boa dona de casa devia além do saber fazer, também devia fazer na quantidade certa sem desperdícios. Todos estes talentos eram produzidos neste espaço e para este espaço. Era verdadeiramente um espaço pedagógico para se transformar em uma boa administradora da casa.
Este texto pretende recordar e reativar as idéias destes espaços, fazendo com que muitas cozinhas possam voltar a serem pequenas agroindústrias rurais, onde este profissionalismo e talentos possam ressurgir, aumentando a funcionalidade destes espaços e apresentando novas competências para quem deste espaço se dedica. Melhorar a qualidade destes espaços sem perder a característica e originalidade é uma das pretensões deste texto. Precisamos envolver novamente neste espaço, para que toda esta cultura não se perca.
A COZINHA ARTESANAL VOLTANDO A SER VALORIZADA
Cada vez mais estes espaços nas casas modernas estão se transformando em qualquer outra coisa menos em uma cozinha na essência da palavra. A tecnologia higt tech prevalece tomando o espaço de quem iria preparar a comida. E quando este espaço existe na sua maioria são subutilizados. Utiliza apenas em muitos casos como espaço para esquentar comida comprada pré-pronta e congelada, ou para misturar tal pacote a certa quantidade de tal coisa que muitos chamam alimento, menos comida.
São espaços que muitas vezes possuem uma estrutura de equipamentos modernos e sofisticados que não permite a aprendizagem, mas apenas facilita o fazer. A máquina ou o equipamento foi programado para mexer, com tempo delimitado, que liga e desliga automaticamente, com artifícios elétricos para dourar, para aquecer, para descongelar, até para cozinhar sem ter necessidade da manipulação do acompanhamento do cheiro, do momento ideal para fazer a mistura. A Constância e a mesmice não contribuem na criatividade, na invencionice, na intuição do fazer diferente de dar outros sabores, de criar novas formas de fazer, enfim de criar outras receitas. Normalmente as cozinhas modernas gastam uma grande quantidade de energia para ser operacionalizar, indo de encontro aos princípios da Permacultura, que sempre esta movida ao gastar menos energia para atender suas necessidades diárias.
Muitos restaurantes modernos utilizam a decoração e as receitas das cozinhas rurais do passado, como a base do seu marketing comercial. É o atrativo para chamar clientes saudosos desse espaço e das suas receitas regionais.
Muitas das receitas de sucesso de vários restaurantes famosos vieram dessas cozinhas artesanais e experimentais que hoje a legislação oficial tenta acabar, para que elas não possam continuar a preparar suas delícias e vender, alegando uma série de inconvenientes técnicos relacionados a higiene.
ADEQUANDO O ESPAÇO A NECESSIDADE
1. Voltar a gostar de cozinhar – É uma das primeiras iniciativas para que este espaço possa ressurgir com força total. A paixão pela culinária e em especial pela rural deve voltar a ser operacionalizada. Este deve ser o primeiro passo para que este espaço possa verdadeiramente se tornar um pequeno negócio da propriedade. Mexer com comida sem ter o prazer de fazer, não combina, a comida perde sabor, vira comida industrial, feita para qualquer um, sem gosto, sem arte. O sabor não é só dado pelos ingredientes, mas também pelo momento certo do misturar, do tempo ideal, na quantidade e dosagem correta, e isso só se consegue fazendo com amor. Além de colocar sabor, o prazer do fazer coloca também estética, consegui-se conectar sabor e beleza, atrair pelo cheiro e pela aparência é coisa de artista. Para que o fazer seja considerado arte é necessário técnica, criação, imaginação, fundamento e ideologia do que vai fazer. E para quem vai comer, não podemos esquecer que existem muitas maneiras de se compreender um prato, de se saborear uma receita.
Como diz Bruno Agostini “Cozinhar é uma arte que mexe com todos os sentidos: a visão, o tato, os aromas e, é claro, o paladar. Até a audição. Sim: não é uma maravilha escutar um ojo de bife crepitando na grelha ou a crocância da casca de um belo pão se rompendo? Comer bem emociona. Faz-nos viajar. E até aquela família que produz um queijo da Serra da Estrela da maneira mais artesanal possível, é também um artista, como uma trupe de circo, que faz rir, que faz chorar, que faz as pessoas gozarem de felicidade. Cozinhar é uma arte.”
Logo, diante do exposto, cozinhar transcende o saber fazer, tem que gostar do que vai fazer. Queira aprender a fazer na arte na mesa.
2. Resgatar receitas antigas – Muitas receitas gastronômicas antigas estão desaparecendo, deixando de ser utilizadas, e muitos jovens não estão tendo o prazer de provar receitas deliciosas. Não podemos permitir que estas receitas se percam, é preciso ter famílias utilizando estas receitas nos seus hábitos e cardápios diários ou nos momentos festivos da família ou da comunidade. Resgate e propague, faça seu marketing.
3. Adequar o espaço a necessidade e a demanda – A quantidade de mão de obra e o tamanho do espaço devem regular o recebimento de pedidos dos consumidores. Não comece grande. Vá aperfeiçoando não só o fazer mais também a quantidade necessária para atender aos pedidos, mantendo o mesmo sabor e qualidade. Manter este padrão é o mais importante, isto faz o consumidor comprar novamente, tornando-se cliente. Fidelizar um consumidor não é fácil, necessita que teus produtos tenham um padrão, que se repete a cada pedido. O cliente precisa saber o que está comprando. Adequar o espaço da sua cozinha a qualidade e ao padrão exige todo um preparo deste ambiente, com estrutura física, utensílios e equipamentos. Dimensione os equipamentos antes de comprá-los, pense no crescimento, porém de forma cautelosa, pensada, pense em um percentual que você quer crescer no segundo ano, projete este crescimento. Não dê o salto maior que suas pernas.
4. Cautela e higiene no preparo – O ritual do preparo de um prato saudável, passa também pela higiene do ambiente onde este prato vai ser feito e da manipulação com os ingredientes faz parte de uma cozinha limpa e saudável. A higiene pessoal também é outro pré-requisito que se precisa estar alerta. Para higienizar um espaço não é preciso usar uma infinidade de produtos de químicos de limpeza. Água e sabão é uma dupla infalível, barata e fácil de manipular. Porém, várias regras básicas e normas de higiene precisam ser colocadas em prática, para que se possa ter um alimento que nos alimente verdadeiramente. A segurança alimentar começa com uma refeição saudável e livre de intoxicações.
5. Fazer pouco, mas com qualidade - A qualidade é o que move o consumidor a querer consumir sempre, todo dia. Insista na qualidade e mantenha este padrão alcançado. Faça menos, porém com qualidade. Esteja atento a sua capacidade de atender com qualidade, não se iluda com pedidos grandes, cresça lento, mas de forma constante e programada.
Ter um mesmo padrão de sabor, cheiro, cor e consistência deve ser a qualidade que seu jeito vai dar ao produto, é a sua marca do saber fazer. Esta qualidade associada a sua marca e embalagem vão formar a identidade do produto.
6. Embalando com originalidade e sofisticação – Dá uma identidade ao seu produto é um pré requisito muito importante para que seu produto fique conhecido e seja reconhecido em qualquer espaço e prateleira. A identidade regional, ou melhor, de onde veio, onde foi produzido, o tipo de clima, tradição regional podem ser o norte para que se possa pensar para construir a identidade deste produto.
7. Oferecer produtos para uma ECOgastronomia – Não é de hoje que uma alimentação mais natural faz parte da rotina de quem se preocupa com a saúde. A novidade é que diversos restaurantes aderiram à ecogastronomia, movimento que defende o uso de ingredientes frescos e sem agrotóxicos ou conservantes químicos, além de valorizar sabores locais e levar em conta fatores como consciência ambiental, responsabilidade social e biodiversidade agrícola. “A ecogastronomia é o futuro. Cada vez mais, as pessoas se preocupam em saber a origem dos alimentos que consomem e como eles são produzidos e preparados”, afirma a chef Alice Mesquita, da Alice Brasserie.
8. A pressa é inimiga do cheiro e sabor – A pressa é o movimento que mais se procura. Todo movimento caminha na direção do rápido, a alimentação é cada vez mais tendenciosa ao fast food, alimentação rápida, sem muito preparo, instantânea, abriu, esquentou, comeu e pronto. Tudo é projetado para que não se perca tempo nem no fazer, muito menos no comer. Na nossa proposta o movimento é inverso, mais tempo no preparo, calma no comer para ter tempo de saborear, de identificar os sabores, os ingredientes, sentir a textura, enfim o DEGUSTAR é a palavra de ordem. O slow food é o que se quer e se pretende alcançar. A proposta da cozinha minha pequena agroindústria é alcançar a qualidade a partir do prazer do preparar do saborear e do comer.
O movimento Slow food deve representar a união entre a ética e o prazer da alimentação. Restitui ao alimento sua dignidade cultural, favorece a sensibilidade do gosto e luta pela preservação e uso sustentável da biodiversidade. Protege espécies vegetais e raças de animais, contribuindo com a defesa do meio ambiente, da cozinha típica regional, dos produtos saborosos e do prazer da alimentação.
Faça com que sua cozinha esteja comprometida em salvaguardar alimentos, matéria-prima e métodos tradicionais de cultivos e de transformação dos alimentos. Que sua cozinha ajude a defender a biodiversidade de variedades cultivadas e selvagens, utilizando esta biodiversidade no preparo de seus pratos, além de proteger os locais de convívio que formam a herança cultural e AMBIENTAL. Produza, consuma, processe e venda produtos orgânicos.
22 de novembro de 2012
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